Bué, no sentido de muito é de origem santomense ou, mais provavelmente, angolana. A partir daqui cada dicionário diz a sua coisa. O Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa diz que o termo é santomense e angolano e de origem obscura. O Priberam diz que vem provavelmente do quimbundo, uma língua angolana. A Infopédia diz que vem mesmo do quimbundo mbewe, que significa abundância, fartura.
Segundo o Ciberdúvidas é apenas com este significado, abundância, grande quantidade que a palavra é usada em Angola. Daí a preposição de:
Tenho bué de coisas para te contar. Estava lá bué de gente.
Mas em Portugal a palavra começou a ser usada também como advérbio, com o significado de em elevado grau, tornando-se bué completamente sinónimo de muito. Daí que para intensificar um adjetivo, a malta por vezes, muito naturalmente, omita a preposição, ouvindo-se quer bué bom quer bué de bom (muito frequentemente bué da bom). Para intensificar um verbo, naturalmente não leva preposição:
A festa foi bué divertida. Estava lá gente bué da fixe. Curti bué.
Segundo o mesmo artigo do Ciberdúvidas, o uso adverbial de bué está errado. Mas não me parece que isso vá impedir o pessoal de continuar a falar assim, e só o tempo é que vai decidir se a preposição antes do adjetivo (ou mesmo antes do substantivo) fica ou não. Aliás o Priberam e o Houaiss apresentam bué como advérbio e pronome indefinido, o que legitima (ou meramente descreve) o uso sem preposição (estava bué gente e corremos bué são os exemplos do Priberam).
E parece mesmo que o pessoal em Portugal tende a omitir a preposição, mesmo com substantivo. Bué de só supera bué sem preposição com coisas. Note-se que bué de coisas inclui muitos resultados de Angola, ao passo que os restantes não incluem: em Angola bué não intensifica adjetivos, e aparentemente por lá não se usa muito cenas (coisas, situações em Portugal).
Milhares de resultados no Google search de bué fixe, bué de fixe, bué giro, etc.
Fixe Giro Cenas Coisas
Bué 111,0 18,8 6,2 2,5
Bué de 6,1 3,2 3,2 3,5
Bué da 18,7 2,3 1,0 0,5
O dicionário Houaiss diz que bué é usado na Estremadura (região que inclui Lisboa) desde cerca de 1970, e não faz referência a Angola. A ocorrência mais antiga o Artefacto encontrou no Google Books é de 1979 ou 1980, e têm quase de certeza origem africana (ênfase minha):
Posso pensar um significado na língua em que me expresso e escolher de entre as línguas nossas o significante mais calhado para a minha oficina. Por exemplo: bué de maravilha é-me mais calhado, é-me mais bonito que muita maravilha. [África, nº 5-8, África Editora, 1979.]
Depois temos dois exemplos de Agola dos anos oitenta:
Aqui fora, escuro! Escuríssimo! Deixa mano, hum! Bué de verdade! [Jorge Macedo, Geografia da Coragem, Ediciones Cubanas para a União dos Escritores Angolanos, 1985.]
[…] ministro não manda comprar os porcos das províncias e pôr nas bichas de Luanda? Matadouro o tuga deixou. Vejam só: um povo revolucionário como o de Cuba tem a mesma opinião, come bué de carne de porco [Estudos portugueses e africanos, n. 9-12, Universidade Estadual de Campinas, 1987]
Depois encontram-se duas de origem portuguesa de 1993 (um coche significa “um pouco”; negritos meus, itálicos originais):
Dá para ver cenas bué d’speedadas [muito agitadas], grande curtição […] trabalhar e não voltasse à escola, não sei… acho que ia custar um coche, um coche não, ia custar bué [José Machado Pais, Culturas Juvenis, 1993.]
A outra ocorrência de 1993 é do célebre Dicionário de Português Schifaizfavoire, Crônicas Lusitanas de Mário Prata. O autor brasileiro andou por Portugal e registou o uso:
Bué
Gíria da malta bem jovem. Para eles tudo é bué de caro, bué de longe. Ou seja, muito caro, muito longe. A origem é angolana.