Os dicionários dizem apenas que rolé e rolê vêm do francês roulé (Priberam e Michaelis), ou que rolé ‘passeio’ é de origem obscura, vindo possivelmente de rolê ‘bife enrolado’ e ‘movimento de capoeira’, vindo este também do francês roulé (Houaiss, Lisboa, 2002, Aulete). Rouler (Larousse) é o particípio passado de rouler (Larousse), que significa ‘rolar, rodar, enrolar’. Então fiz uma busca na Hemeroteca Digital Brasileira para ver os usos ao longo do tempo. Eis os resultados:
- Um rolê pode ser um bife rolê, ‘bife enrolado’. Esta é a aceção que eu encontrei mais cedo, logo a partir de 1952 no periódico carioca Última Hora. Nos anos 50 e 60 escrevia-se predominantemente rolé. Os dicionários concordam que vem do francês roulé.
- Também há a gola rolê (Priberam), que é uma gola enrolada ou no mínimo dobrada. Encontrei-a com frequência a partir de 1962, começando com este artigo em A Cigarra (São Paulo). Encontra-se nos anos 60 algumas vezes escrito rolé.
- Rolê é também um movimento de capoeira. Consiste em o capoeirista rolar o corpo em torno de um braço apoiado no chão. Não consegui encontrar esta aceção na Hemeroteca. Possivelmente está lá: “bife rolê” ou “dar rolê” encontram-se facilmente, mas quando se procura só “rolê” o buscador retorna centenas de resultados, mas todos os que vi são erros de reconhecimento, como o segmento role de controle e coisas assim. No Google Books só encontrei a partir dos anos 90.
- E finalmente, dar um rolé ou rolê significa também ‘dar um passeio, volta’. Encontrei este uso primeiro num jornal carioca de 1961, e depois com crescente frequência a partir dos anos 70. O artigo de 1961 é bastante revelador e sugere que o termo era então gíria restrita a certos grupos, incluindo marginais. Cito então uma boa parte (negrito meu em todas as citações):
Madrugada de domingo. A chamada “ZBM” (zona do baixo meretrício) começa a se esvaziar. Dois homens, o “margina” (marginal) e seu “agá” (comparsa) entram no Bar “Chave de Ouro”. Dirigem-se ao garção:
—A “pesada” já deu um “rolé”?
—“Barra mansa”—responde o interpelado que é também um iniciado na “giriologia”.
Satisfeitos e tranquilizados, o “margina” e seu “agá” sentam-se a uma mesa. Sabem que a “barra é mansa” (tudo calmo) porque a “pesada” (policiais da Delegacia de Vigilância) não passou por ali fazendo ronda (“rolé”).
“Giriologia”, Última Hora, Rio de Janeiro, 13 de novembro de 1961, p. 8.
A partir dos anos 70, o este uso já era mais alargado, mas há indicações de que continuava a ser gíria apenas de certos grupos. Mais sobre isso abaixo.
Origem de rolé/rolê
O que me intriga é como é que expressões tão da cultura popular brasileira—dar um rolé/rolê e o rolê da capoeira—foram buscar uma palavra ao francês. Uma hipótese que me parece plausível é que o roulé/rolê tenha vindo para o Brasil por via culinária. O bife rolê parece ser o uso mais antigo de todos os rolês, e é sabida a influência do francês na terminologia culinária: flambê vem do francês flambé (Michaelis), suflê, de soufflé (idem), etc. Aliás, o bife rolé do artigo de 1952 vinha acompanhado de “soufflé” e “petit-pois”.
Então, rolê/rolé poderia ter começado por ser usado na culinária e depois ter sido adotado para descrever o movimento rolante do capoeirista e um passeio curto. Note-se que a relação semântica entre rolar e dar um rolé existe também com outras palavras: temos girar, e dar um giro também significa ‘dar um passeio’ (Aulete 2); e temo votar e voltar-se, e dar uma volta também significa ‘dar um passeio’.
Evolução de dar um rolé
Como o foco da pergunta é em dar um rolé, dou mais uns pormenores sobre a evolução da expressão. Mostro na tabela abaixo a evolução da frequência da expressão. Até à década de 90, discrimino as diferentes grafias e sentidos; depois apresento só o total, que discriminar exige um tempo infinito para ver resultado a resultado. A frequência vai aumentado; só não aumenta mais em termos absolutos porque o número de periódicos na Hemeroteca vai diminuido; mas relativamente ao número de páginas na Hemeroteca o aumento é bastante pronunciado.
“dar/dando/deu (um) rolé/rolê” na Hemeroteca Digital Brasileira
Década 60 70 80 90 00 10
Total de resultados 1 8 35 27 84 29
por milhão de páginas 0,3 2,5 14 17 50 41
Erro de reconhecimento do buscador 0 2 2 0
Sentido ‘passeio, volta’; total 1 5 28 27
Grafia “rolé” 1 4 16 25
Grafia “rolê” 0 1 8 0
Outra/acento ilegível 0 0 4 2
Outro sentido ou sentido incerto 0 1 5 0
Continua a encontrar-se a expressão dar um rolé na linguagem de marginais, reportada em artigos sobre crimes. Entre outros:
Depois que Queixada e Waldetar aceitaram o convite para dar um “rolé” pela cidade, os cinco bandidos rumaram para o conjunto Potilândia
“Desvendado o crime d Pororoca”, Diário do Natal, Natal, 13 de dezembro de 1983, p. 6.
Eles escolheram a agência bancária quando passavam pelo Alecrim, “dando um rolé pela cidade”, e resolveram agir, traçando os planos ali mesmo.
“Assaltantes do Banorte vão hoje para a Colônia”, Diário do Natal, Natal, 20 de janeiro de 1987.
Foram eles que chegaram para mim e disseram para irmos dar um rolê por São Gonçalo, a fim de arranjarmos um outro bar.
“Três assassinaram mulher a golpes de chave de fenda”, O Fluminense, 27 de junho de 89, p. 10
Mas os exemplos começam a vir maioritariamente doutros contextos, o que indica que o uso da expressão já se tinha alargado: o músico Rúben Santos “esteve dando um rolé pela Argentina” (Luta Democrática, RJ, 1977); “é hora de dar um rolê pelos bares, que também ninguém é de ferro” (Jornal da República, São Paulo, 1979); um taxista não quer “dar rolé desnecessário, na busca de passageiros” (Luta Democrática, RJ, 1980).
Os vários dicionários indicam nesta aceção apenas a grafia rolé, exceto o Priberam, que indica rolé e rolê. A grafia rolê tem vindo a perder peso, mas continua a aparecer. Por exemplo, “nunca ‘deu um rolê pelo fundão’ da capital” [(Correio Brasiliense, Brasília, 2008) ou “dando um rolê por Salvador” (Correio Brasiliense, Brasília, 2012).
O Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), que começou com rolê, no fim dos anos 80 mudou para rolé, e em 1995 observa que em “São Paulo é ‘dar um rolê’” , num artigo que, apesar do aumento da frequência da expressão, sugere que esta é ainda gíria restrita de certos grupos, pois o jornalista sente necessidade de explicar o seu significado:
PARA ENTENDER O PALAVREADO
[…] Dar um rolé: dar uma volta. Em São Paulo é “dar um rolê”.
Jornal do Brasil—Programa, Rio de Janeiro, 28-7 a 2-8-1995, p. 28.
Já antes se encontrava de vez em quando essa explicação:
“Para não bater na gente, eles mandavam quem tem cabelo encaracolado dar um rolé (passeio)”, denunciou Márcio.
“Agressão e tiros para o alto”, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1993, p. 13.
Após furtarem o carro, os cinco rapazes e as mulheres ficaram alegres, afirmando que iriam dar um “rolé” (um passeio) pela Cidade Nova
“Gang rouba e troca tiros com Polícia”, Diário do Natal, Natal, 29 de novembro de 1988, p. 8.
Na história da expressão poderá ter tido a sua importância a canção Dê um rolê (Wikipédia), lançada em 1971 pelos Novo Baianos (YouTube), e interpretada ainda esse ano por Gal Costa (YT), e por Zizi Possi (YT) em 1984 (noticiado no Última Hora, Rio, 1984), e pelos Pitty (YT) em 2016. O que não é claro é se este “rolê” refere o movimento de capoeira ou uma volta, ou ainda se é deliberadamente ambíguo. A letra não esclarece totalmente: “enquanto eles se batem, dê um rolê”.
Com menor frequência, encontra-se dar um rolê noutros dois sentidos. Pode discutir-se se estes usos se inspiram na capoeira ou em ‘volta’, mas num deles rolê significa ainda ‘volta’, mas no sentido ‘grande mudança’ (Aulete 10):
Num momento de loucura, ele [o milionário Frederico Stuart Mill] decide dar um rolê em sua vida e ingressar em um grupo de teatro, sem revelar a verdadeira identidade.
“Cortina de vidro”, Correio de Notícias, Curitiba, 26-10-1989, p. 17.
Hoje a moçada interpreta os fifties à sua maneira, dando um rolê na moda
“A moda na trip dos fifties”, Manchete, Rio de Janeiro, 25 de setembro de 1985.
Se você se enquadrar entre os [comedores] compulsivos, menos mal: eliminando os beliscos nos petiscos, aumentando a quantidade de alimentos ricos em fibras e espaçando as refeições, poderá dar um rolê na compulsão.
“Quem faz a dieta de Beverly Hills pode acabar sem as células”, Manchete, Rio de Janeiro, 14 de maio de 1988.
O outro uso é dar rolé (em alguém), que parece significar ‘zombar de, provocar’: “presidente Lula deu um rolé nos racialmente corretos” quando piropou “negona!” à ministra Benedita (Jornal do Brasil, 2003); “cômico Chico Anísio dando rolê em quem tem medo de visagens” (Jornal do Rio Branco, 1980).