Essas estruturas chamam-se clivadas de SER, e alguns linguistas sugerem “que elas são [pseudoclivadas] reduzidas, resultado do apagamento de certos elementos” (Anderléia Longhin¹, 1999, p. 108), como eu ilustro com estes exemplos da Gramática do Português da Gulbenkian² (pp. 2620, 2656 e 2652):
Pseudoclivada → Clivada de SER
quem eu vi sair foi o João → eu vi sair foi o João
o que o meu pai me ofereceu foi este relógio → o meu pai ofereceu-me foi este relógio
do que eu não gosto é deste tipo de → eu não gosto é deste tipo de comentários
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Isto faz sentido também diacronicamente: as pseudoclivadas já vêm do século XIII, enquanto as clivadas SER só encontrei a partir de 1890 (Longhin só as encontrou a partir de 1925, mas em 1999 ela não tinha o Google Books):
E o que quero é dizer loor da Virgem (loor = louvor)
Cantigas de Santa Maria, século XIII
Queremos é saber a opinião da commissão…
Annaes do Congresso Constituinte do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1891
― Eu quero lá ver isso! respondeu o morgado, cheio de espanto pela extranha lembrança do advogado, você está doido!... Eu quero é que você metta o codigo no… no lume.
João Salgado, Os Silverios, Recife, 1895
A Gramática do Português (p. 2653) observa no entanto que as pseudoclivadas e as clivadas SER diferem nalgumas propriedades sintáticas. Por exemplo, as clivadas SER podem focalizar componentes dum sintagma nominal, enquanto as pseudoclivadas não:
[Gramatical:] Quero comprar um livro é do Mia Couto
[Agramatical:] *De quem quero comprar um livro é do Mia Couto
As pseudoclivadas têm mais limitações na clivagem de certas palavras negativas. Por exemplo, em resposta a não veio muita gente:
[Gramatical:] Não veio foi ninguém
[Agramatical:] *Quem não veio foi ninguém
Nas pseudoclivadas, ao contrário das clivadas de SER, o verbo ser pode ocorrer integrado numa perífrase verbal:
[Agramatical:] *O Pedro perdeu pode ter sido o passaporte
[Gramatical:] O que o Pedro perdeu pode ter sido o passaporte
Longhin (p. 186) nota também que as clivadas de SER, ao contrário das pseudoclivadas, têm limitações na clivagem do sujeito. Funcionam com verbos intransitivos (desapareceram foi as joias; amanhã chega é o Pedro), mas não quando há complementos:
[Duvidoso:] ??Viu o João sair foi a Ana
[Gramatical:] Quem viu o João sair foi a Ana
Do ponto de vista semântico e pragmático, a pergunta já avança a resposta: a função do verbo ser é pôr em foco o elemento seguinte. Retomando o meu primeiro exemplo:
Eu vi sair foi o João
O foi põe o João em foco, negando possíveis alternativas: vi sair o João, não vi sair mais ninguém. A Gramática do Português (p. 1628) chama a isto foco contrastivo:
Do ponto de vista semântico e pragmático, o foco contrastivo introduz um valor de oposição relativamente a uma asserção, a uma pressuposição ou a uma expectativa, explícita ou implicitamente presentes no domínio discursivo. A propriedade central de um foco contrativo é a de adicionar ao valor denotativo básico da frase a expressão da atitude (discordante) relativamente ao que sabe ou supõe serem as expectativas ou convicções do ouvinte.
Referências:
¹ Longhin, Sanderléia Roberta, 1999. As construções clivadas: uma abordagem diacrônica, Dissertação, Universidade Estadial de Campinas.
² Gramática do Português da Gulbênkian, Vol. III, Lisboa, 2021.