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Encontra-se no passado a palavra caralho usada em situações em que hoje causaria escândalo. No Corpo Informatizado do Português Medieval encontramo-la em três cantigas de escárnio e maldizer dos séculos XIII e XIV. Eis um exemplo atribuído a Pero Garcia Burgalês (Wikiédia), com itálico meu em todas as citações:

Maria Negra [é] desventuirada!
E porque quer tantas pissas comprar,
pois lhe na mãã nom querem durar
e lh’assi morrem aa malfada[da]?
((V5)) E num caralho grande que comprou,
onte ao serão o esfolou,
e outra pissa tem já amormada.

As cantigas de escárnio e maldizer usam uma linguagem mais colorida que a encontramos noutros textos da época. Mas que dizer deste texto, de caráter científico, identificado no Corpus do Português como o Códice de Valentim Fernandes de 1506 – 10:

Os negros fazem hûu arpam e ho untam com herva peçonhenta / atado bem em hûa asta pesada / E o negro que ja sabe per onde ha de vijr o aliffante / esta sobre hûa aruore e leixa cayr o dito arpam ao aliffante quando passam muytos juntos / Emtam o negro lhe segue hûa legoa ou duas // ou mais ata onde vaa a morrer / E se vaa ter a outra jurdiçam tornam lhe o aliffante ou pagam lhe ou põem lhe guerra por ysso / E comem no Ho melhor comer delle he as unhas e a tromba e ho caralho sobre todo

Então a questão é: estes exemplos são aberrações, ou caralho era mesmo uma palavra que era normalmente usada quando se queria referir o dito cujo? Se era uma palavra aceitável, quando é que o deixou de o ser?

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  • 5
    Esta pergunta recebeu um voto negativo. Seria útil que quem o deu apresentasse as suas razões. Se foi por causa do palavrão, esclareço que a pergunta segue as recomendações de boa prática relativamente a palavrões (ver esta discussão no meta): mencionar a palavra onde for necessário no corpo da pergunta, mas não a incluir no título.
    – Jacinto
    Commented Dec 11, 2016 at 11:18
  • 1
    A história que eu conhecia era que caralho era utilizado para designar o cesto no mastro das caravelas. Existem várias páginas na interne a confirmar, mas ao que parece não passa de um mito urbano que nasceu na internet, segundo a Wikipédia que têm uma história etimológica bastante mais completa. Commented Dec 12, 2016 at 19:28
  • 1
    @Duarte Também ouvi essa, e que viria daí a expressão vai para o c. Mas já se usava na poesia medieval, e o cognato espanhol sugere uma origem ainda mais antiga.
    – Jacinto
    Commented Dec 12, 2016 at 19:38
  • 1
    @Marcelo, sim, mas até agora ainda não vi um exemplo sequer de caralho usado para designar o cesto da gávea. O que não há dúvida é que há perto do cesto da gávea uma peça chamada verga...
    – Jacinto
    Commented Jun 8, 2017 at 12:37
  • 1
    @Marcelo, origem comum: vêm ambos do latim virga 'ramo delgado e flexível, bastão' e já também 'pénis'; se esta aceção se manteve do latim até ao francês e português modernos ou se foi reiventada (a metáfora é simples) é que eu não sei. Vê CNRTL e dicionário de latim.
    – Jacinto
    Commented Jun 9, 2017 at 6:50

2 Answers 2

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Caro Jacinto, não respondendo diretamente à sua questão, mas não tendo espaço nos comentários para alongar, devo referir que a utilização de impropérios nas cantigas de escárnio e mal-dizer sempre foi aceitável, e tal está devidamente registado. Logo, pelo facto de caralho aparecer numa dessas cantigas que cita, julgo que tal não viabiliza per se a tese de que o vocábulo seria aceitável, ou pelo menos dito, no quotidiano.

Martim Soares, trovador português, documentado no período compreendido entre 1220 e 1260, escreve este poema em espécie de escárnio, a um tal Pero Rodrigues.

Pero Rodrigues, da vossa mulher,
não acrediteis no mal que vos digam.
Tenho eu a certeza que muito vos quer.
Quem tal não disser quer fazer intriga.
Sabei que outro dia quando eu a fodia,
enquanto gozava, pelo que dizia,
muito me mostrava que era vossa amiga.

Se vos deu o céu mulher tão leal,
que vos não agaste qualquer picardia,
pois mente quem dela vos for dizer mal.
Sabei que lhe ouvi jurar outro dia
que vos estimava mais do que a ninguém;
e para mostrar quanto vos quer bem,
fodendo comigo assim me dizia.

Ademais, não desprestigiando a fonte mencionada, parece-me que o Códice de Valentim Fernandes carece de carácter científico, na medida que tem várias linhas, sendo o tipo de textos mais vocacionados para a literatura poética, mas posso estar errado, e corrija-me se assim o for. Tomei a liberdade de o reescrever em conformidade com a mudança de linhas

Os negros fazem hûu arpam e ho untam com herva peçonhenta
atado bem em hûa asta pesada
E o negro que ja sabe per onde ha de vijr o aliffante
esta sobre hûa aruore e leixa cayr o dito arpam ao aliffante quando passam muytos juntos
Emtam o negro lhe segue hûa legoa ou duas

ou mais ata onde vaa a morrer
E se vaa ter a outra jurdiçam tornam lhe o aliffante ou pagam lhe ou põem lhe guerra por ysso
E comem no Ho melhor comer delle he as unhas e a tromba e ho caralho sobre todo
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    Estou de acordo com o que dizes. Caráter "científico" foi a forma inexata que me veio à cabeça na altura; o que eu quero dizer, mais rigorosamente, é que é um texto "sério"; não é satírico ou cómico, como as cantigas de escárnio e mal-dizer. Eu não dou importância às barras (usadas habitualmente para separar versos). O texto é claramente de natureza descritiva e factual.
    – Jacinto
    Commented Feb 7, 2018 at 8:59
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"Caralho" realmente era designação à cestinha que ficava no alto do mastro dos navios, segundo a Super Interessante. Indo para a Wikipedia, encontramos que isso começou a ser um tabu aproximadamente pelo século XIII.

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    Na Wikipédia diz que se tornou tabu a partir da contrarreforma, que é sXVI, não sXIII. O artigo da Super Interessante é muito interessante, e se caralho já designou o cesto da gávea é até potencialmente relevante para esta questão, mas eu nunca vi ninguém comprovar esse uso de caralho. Eles também dizem que coitado é “aquele que sofreu o coito”, e isto não está de acordo com o Houaiss. Parece-me que eles não verificaram bem algumas coisas.
    – Jacinto
    Commented Apr 13, 2017 at 10:10

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