Comecemos pelo que diz Evanildo Bechara na sua Moderna Gramática Portuguesa (pág. 673 da versão eletrónica da 37.ª ed., citações omitidas):
Nas orações ditas equativas em que com ser se exprime a definição
ou a identidade, o verbo, posto entre dois substantivos de números diferentes, concorda em geral com aquele que estiver no plural. Às vezes, um
dos termos é um pronome:
A pátria não é ninguém: são todos.
Mas:
Justiça é tudo, justiça é as virtudes todas.
Verdade, mas isto é apenas uma constatação, não uma explicação científica. As questões interessante são explicar essa concordância e, de forma relacionada, que factores favorecem o singular ou o plural. Sobre as frases ditas identificacionais ou equativas, podemos ver o capítulo 13 na Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa: Caminho, 6.ª ed., 2003), de Inês Duarte, e a tese de mestrado de Maria Oliveira (2001). Ambas se baseiam no livro de Andrea Moro (The Raising of Predicates. Cambridge: Cambridge University Press, 1997); Maria Oliveira também no trabalho de Caroline Heycock (The Internal Structure of Small Clauses: New Evidence for Inversion, em Proceedings of NELS 25, 1994, pp. 223-238).
Nestes trabalhos, o tratamento das frases identificacionais é semelhante àquele das frases atributivas como A Maria é simpática na medida em que todas contêm um domínio de predicação não frásico, uma oração pequena, a qual tem uma posição de sujeito e uma de predicado.
A maioria das frases ditas identificacionais não apresenta uma estrutura simétrica, resultado de uma posição fixa dos dois constituintes da oração pequena. Os autores que referi distinguem uma frases copulativas canónicas, em que o sujeito da oração pequena se encontra em posição pré-verbal, das frases copulativas invertidas, em que este está em posição pós-verbal.
Sobre a estrutura de cada um dos tipos de frases, veja-se Duarte (2003, pág. 545) e Oliveira (2001, pág. 120) para as invertidas e Duarte (2003, pág. 543) para as canónicas (e atributivas). As propostas parecem ter algumas diferenças, mas no que toca à concordância vão na mesma linha.
Oliveira (2001) afirma que «em português a concordância das das frases copulativas invertidas é feita à direita». Dá estes exemplos:
- O João e a Maria foram a causa do motim.
- A causa do motim foram o João e a Maria.
- *A causa do motim foi o João e a Maria.
Da mesma forma, Duarte (2003) diz:
As frases copulativas canónicas e invertidas apresentam padrões de concordância sujeito-verbo particularmente interessantes. Assim, a concordância de pessoa e número é sempre determinada pelo constituinte que ocupa a posição de sujeito da oração pequena, como se pode observar nos exemplos (29):
(29) (a) [Tu]i és [OPeq [v]i o professor].
(b) [O professor]j és [tu]i [OPeq [v]i [v]j ].
O problema é que nem sempre é fácil determinar qual é o sujeito. Nem sempre é claro qual é o constituinte com maior valor referencial. Das duas fontes, podemos retirar os seguintes testes:
- Só nas canónicas o foco pode ocorrer em ambos os elementos; nas invertidas, o foco só pode ocorrer no elemento pós-cópula.
- Não é possível clivar o SN em posição pré-verbal nas frases invertidas. Oliveira (2001) diz ser um teste em relação ao qual mais pares se comportam de igual forma. No entanto, eu tenho bastante dificuldade em aceitar as frases (191b) e (192b) (pág. 116).
- Numa frase cópula SX SX, a ordem dos constituintes tem de ser a canónica (sujeito primeiro).
- Redobro do sujeito só é viável quando o pronome retoma o sujeito da oração pequena.
- Só o predicado pode ser substituído pelo clítico invariável o.
Vejamos então a frase original:
O pomar são estas cinco árvores. ([estas cinco árvores] [o pomar])
O pomar são estas cinco árvores ou aquelas duas árvores?
O pomar são ESTAS CINCO ÁRVORES. (I)
ESTAS CINCO ÁRVORES são o pomar. (C)
Estas cinco árvores são o pomar ou as árvores para vender?
*O POMAR são estas cinco árvores. (I)
Estas cinco árvores são O POMAR. (C)
*É o pomar que é estas cinco árvores. (I)
São estas cinco árvores que são o pomar. (C)
*É o pomar estas cinco árvores. (I)
São estas cinco árvores o pomar. (C)
*O pomar, ele são/é estas cinco árvores. (I)
Estas cinco árvores, elas são o pomar. (C)
*Estas cinco árvores, o pomar são-no/é-o. (I)
O pomar, estas cinco árvores são-no. / Estas cinco árvores são o pomar, e aqueloutras também o são. (C)
O teu outro exemplo:
A minha preocupação são os filhos. ([os filhos] [a minha preocupação])
- Os filhos são a tua preocupação ou o teu distraimento?
*A MINHA PREOCUPAÇÃO são os filhos. (I)
Os filhos são A MINHA PREOCUPAÇÃO. (C)
Podemos agora tentar ver o comportamento com a tua frase original, mas alterando os números de cada um dos sintagmas nominais. Não me concentrarei no uso de é vs. são; marco como aceitável se pelo menos uma das formas é aceitável.
Quais pomares? Esta árvore é/são os pomares. ([esta árvore] [os pomares]) (?)
Esta árvore é os pomares ou a árvore do vizinho?
Esta árvore é/são OS POMARES. (C)
*OS POMARES é/são esta árvore. (I)
Os pomares são esta árvore ou as árvores no fundo da rua?
ESTA ÁRVORE é/são os pomares. (C)
Os pomares é/são ESTA ÁRVORE. (I)
É esta árvore que é/são os pomares. (C)
*É/São os pomares que é/são esta árvore. (I)
É esta árvore os pomares. (C)
*É/São os pomares esta árvore. (I)
Esta árvore, ela é/são os pomares.
Os pomares, eles é/são esta árvore.
??Esta árvore é os pomares, e aquela outra também o é. (C)
*Os pomares são esta árvore, e os laranjais também o são. (I)
Tenho muitas dúvidas aqui. Mas parece-me que a primeira é mais aceitável.
A maioria dos testes aponta para que o sujeito seja esta árvore, o que explicará a maior aceitabilidade de é. Resta a pergunta — então por que é são também possível, se não mesmo necessário, quando os pomares surge em posição pré-verbal? Uma hipótese é não estarmos perante uma inversão, não se tratando então de pares verdadeiramente equativos. É esta a hipótese que Oliveira (2001) avança em relação a pares de frases que não reagem uniformemente aos testes (pág. 118), como é aqui o caso (vejam-se os testes 4 e 5).
Indo agora ao mote da pergunta.
O rebanho é os meus pensamentos.
ou
A felicidade é as coisas boas.
ou ainda, pegando no exemplo de Bechara:
Justiça é tudo, justiça é as virtudes todas.
É possível que estas frases não sejam copulativas invertidas em que anomalamente ocorre uma concordância à esquerda, mas antes predicações separadas em que o constituiente à esquerda tem um valor referencial mais forte. O exemplo de Bechara é interessante, porque justiça é sujeito na primeira parte (*é tudo que é a justiça), pelo que é de esperar que a segunda tenha a mesma estrutura, com a justiça no papel de sujeito, argumento do predicado as virtudes todas e a cópula a concordar com esse sujeito.