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Commonmark migration

A resposta curta é que o par cárcere-carcereiro é típico na língua portuguesa; prisão-prisioneiro é atípico e possivelmente caso único. Mas vamos à etimologia das palavras.

Cárcere e Carcereiro

Segundo o dicionário Houaiss (Lisboa, 2002) cárcere e carcereiro vêm já do latim. Cárcere vem de carcer, que já significava “‘prisão, calabouço, masmorra’”, mas também (ver verbete carcer-) “‘barreiras que formam a pista por onde devem seguir os carros, bigas, quadrigas; recinto de onde partem os carros numa corrida’”. Carcereiro vem do latim tardio carcerarĭus, que significava ‘relativo ao cárcere’, donde vem a palavra portuguesa carcerário, e também ‘o guarda da prisão, carcereiro’.

O uso do sufixo -eiro para exprimir a relação semântica entre carcereiro e cárcere é comum no português. Segundo o Houaiss (verbete -eiro) o sufixo -eiro vem do sufixos latinos ārĭus e -arĭus e, passo a citar, desenvolvendo as abreviaturas,

[…] quanto às noções semânticas, o sufixo ocorre: 1) predominantemente em vocábulos qualificativos e/ou designativos de homens e mulheres que exercem determinados ofícios, profissões, atividades, etc., os quais são formados por: […] e) substantivo indicativo de local, estabelecimento ou exploração (de mina, de comércio, etc.) + -eiro/-eira, formando designativos daqueles que trabalham em tais locais: açougueiro, adegueiro, banqueiro, fazendeiro, hoteleiro, mineiro ‘trabalhador de mina’, taberneiro, vendeiro, etc.

Prisão e Prisioneiro

Prisão (Houaiss) vem também do latim “prehensĭo, radical de prehensum, supino de prehendĕre”, verbo que originou o português prender. No verbete prend-, o Houaiss esclarece que pre(he)nsĭo significava “‘direito de prender alguém’ (que assiste a alguns magistrados), donde o sentido concreto de ‘prisão’ em romance”. Prisioneiro, segundo o Houaiss, formou-se já no português “provavelmente por influência do francês prisonnier”.

A comparação de prisão prisioneiro com cárcere-carcereiro não é inteiramente justa, porque prisioneiro pode ter derivado de prisão não no sentido de ‘cárcere’ mas de ‘ato de prender’ ou ‘estado de quem está preso’, sentidos estes que estão mais próximos do sentido original do latim *pre(he)nsĭo e que por isso poderão ter surgido mais cedo. No francês, relevante porque poderá ter influenciado o português, de acordo com o Centre Nationell de Ressources Textuelles et Lexicales (CNTRL), prisonnier está atestado em 1176-81, um pouco mais cedo que prison (CNTRL) no sentido de ‘lugar de detenção’, 1210; o sentido ‘captura’ de prison estava já atestado por volta de 1100. Mas as diferenças são pequenas para serem conclusivas.

Mas independentemente da aceção de prisão que tenha originado prisioneiro, não encontro entre as dezassete noções semânticas de -eiro apresentadas no Houaiss (cada uma com várias alíneas) nenhuma que enquadre a relação entre prisão e prisioneiro. E na verdade, o substantivo que designa alguém sujeito a uma ação ou estado derivados de um verbo (como prisão de prender) é normalmente o particípio passado do verbo. Por exemplo, espoliar, espoliação, o espoliado; condenar, condenação, o condenado, excomungar, excomunhão, o excomungado; ferir, ferimento, o ferido; e na verdade nós temos prender, prisão, o preso. Preso vem do latim prehesus ou prensus que é o particípio passado de prehendĕre (Houaiss).

Procurando pares com relações semânticas parecidas, ainda pensei em passagem-passageiro: o passageiro é alguém que é sujeito a passagem, ainda que voluntariamente, ao contrário do prisioneiro relativamente a prisão. Mas nas primeiras ocorrências que encontrei no Corpus do Português, passageiro era alguém que passava pelo seu próprio pé, tento portanto a mesma relação de agência relativamente a passagem que caminheiro tem em relação a caminho. Portanto parece-me que o par prisão-prisioneiro é provavelmente caso único na língua portuguesa

Jacinto
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