Esta análise deve começar pela morfologia, o primeiro passo é tentar reduzir a palavra ao radical mais simples.
Vamos fazer a análise morfológica de ambas as palavras começando pela palavra atratividade antes de tentar analisar atraência.
A. Análise morfológica de atratividade.
atra-tividade (nome feminino) > atra-ir (verbo da 3ª conjugação).
Vamos ver no dicionário o sentido do radical:
atrair
verbo transitivo
Origem etimológica: latim attraho, -ere.
Uma das coisas que aqui devemos reparar é o radical ser, pela sua natureza, um radical verbal porque para uma coisa ser atraente (adjectivo) tem de atrair em primeiro lugar.
O radical verbal atra- é indivisivel na morfologia portuguesa. (Reparar que tiramos a vogal temática da 3ª conjugação -i- e a desinência do infinitivo -r que juntos são -ir.)
(Aqui vale a pena um parêntesis, podemos espreitar a morfologia do latim e ver que attraho é ad- + trahō transliterado "a si"- + "puxar" com o radical simples. Fazemos assim mais uma divisão que não está disponível na morfologia do português e chegamos a um radical indicado como tendo origem no proto-indo-europeu. Ver traho.)
atra-(ir) > atra-tiv-o/a (adjectivo ou nome).
Aqui evidenciamos o primeiro passo da derivação. Devemos concentrar-nos nas propriedades do sufixo -tiv-o/a), que é um sufixo deverbal (não pode ser denominal nem deadjectival) e portanto é coerente com a base verbal radical simples. O sufixo forma nomes e adjectivos.
atra-tiv- o/a > atra-tiv-idade (nome feminino).
Por fim acrescentamos o segundo sufixo e formamos a palavra - é uma dupla derivação.
O mais importante para completar a nossa análise é o sufixo -idade, este é elencado na literatura linguística como sufixo inteiro (o -i inicial é considerado parte integrante do sufixo e não uma "vogal de ligação"). É um sufixo que forma nomes deadjectivais - vemos que a classe lexical do produto é de facto um nome e não um adjectivo.
B. Análise morfológica de atraência.
Começamos no ponto 3. da análise anterior sendo que os pontos 1. e 2. seriam iguais para ambos os casos.
atra-ência > ????
Aqui começam os problemas:
Por razão ortográfica e fonética vemos que não existem nem ditongos nem encontros vocálicos -aê- em portugês.
Não existe um sufixo -ência em português!
Existem 2 sufixos próximos do hipotético -ência que seriam:
ncia- um sufixo que forma nomes deadjectivais e escolhe radicais como base.
Este não está disponivel porque a base não é verbal!
ncia- um sufixo que forma nomes deverbais e escolhe temas como base.
atra-(ir) > atra -ê- ncia
Vamos então começar por verificar a escolha de Tema Verbal pela sufixo. O sufixo -nica está indicado na literatura como escolhendo Temas do Presente, vejamos o quadro:
|
1ª conjugação |
2ª conjugação |
3ª conjugação |
TV infinitivo |
dormin -a -r |
respond -e -r |
transfer -i -r |
TV passado |
dormin -a -do |
respond -i -do |
transfer -i -do |
TV presente |
dormin -a - |
respond -e |
transfer -e |
Portanto, vendo as seleção do sufixo, de facto, o Tema Verbal do Presente para verbos da 3ª conjugação é -e e temos mais uma razão a reforçar a possiblidade de atra -ê- ncia.
Vamos consultar a literatura:
2.4.1.5 Nomes sufixados em -nci(a)
A forma da base verbal a que -nci(a) se anexa é a do tema do presente, como o revelam os deverbais formados a partir de verbos da 2ª conjugação (proceder/procedência) e de 1ª conjugação (culminar/culminância).
Nos nomes derivados de verbos de tema em -i- ocorre uma divergência fonológica relativamente ao expectável, pois verifica-se discrepância entre a VT do verbo base (fluir, gerir, aderir, anuir) e a que ocorre no nome em -nci(a): -e (fluênica, gerência, aderência, e anuência). Não é esta razão suficiente para se considerar que o sufixo tem o formato -enci(a) . Na realidade estes nomes em correlação paradigmática com os verbos da 3ª conjugação são herdados do latim. Nesta lingua, os verbos que estão na origem dos verbos portugueses tinham tema em -E- 'breve'.
in Gramática Derivacional do Português, Alexandra Soares Rodrigues, Isabel Pereira, Graça Rio-Torto. Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016.
(Negritos meus.)
Vale a pena ler o capitulo acima citado na integra. Tentei numa site de transcrição fonética converter o attráhere da 3ª conjugação latina -ere (no latim é -are, -ēre, -ere, -ire) e parece que de facto o verbo tem o "tema em -E- 'breve'" portanto a única razão que encontro é ortográfica... É possivel que em algum momento da história tenham decidido evitar a escrita do -aê- em português o que invalidaria a escrita de "atraência"...
Por fim, os recursos que citas:
- O Corpus do Português é datado entre 2012-2019. Portanto, fosse qual fosse a regra que tivesse retirado atraência do vocabulário deve ser muito anterior a isso.
- O DeepL propriamente dito usa técnicas NLP para fazer correspondência entre produtos de derivação provavelmente saltando regras lexicológicas que sejam muito refinadas, sobregeração de resultados.
- O resultado no jusbrasil... Recentemente tive a experiência enriquecedora de conviver com um grupo de advogados brasileiros. Acho que em qualquer sítio onde se fale português a subtileza do que acabamos de descrever é uma quantidade de trabalho pouco razoável para investir numa única palavra, para além disso até a literatura de referência que citei não menciona a problemática particular do -aê-.
Considero que a pergunta fica por responder, deixo esta postagem como um subsídio.