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Estava comparando a edição que tenho de A Cidade e as Serras com o original disponível no Wikisource e encontrei divergências em relação ao uso do ponto e vírgula e dos dois-pontos. No seguinte trecho, os dois-pontos é usado na versão original, mas na minha edição usa-se ponto e vírgula em vez de dois-pontos:

N’essa sua mudez e indecisão de sombra surdira, ao fim do luto do papá, o gosto muito vivo de tornear madeiras ao torno: depois, mais tarde, com a melada flôr dos seus vinte annos, brotou n’elle outro sentimento, de desejo e de pasmo, pela filha do desembargador Velho, uma menina redondinha como uma rôla, educada n’um convento de Paris, e tão habilidosa que esmaltava, dourava, concertava relogios e fabricava chapéos de feltro.

A troca acontece ainda em outros trechos.

Ainda mais, em alguns trechos onde a versão original usa ponto e vírgula, a minha edição usa dois pontos. Como no seguinte trecho:

Obtive uma noção; tenho sobre ti, que com os olhos desarmados vês só o luzir da vidraça, uma vantagem positiva.

Importante notar que encontrei a mesma situação com outro livro de outra editora, desta vez, A Relíquia, da editora Book Cover do Porto, Portugal - o outro livro, A Cidade e as Serras, é da editora Ediouro do Rio de Janeiro, Brasil.

Alguém saberia justificar essa troca dos dois-pontos pelo ponto e vírgula e vice-versa?

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  • Acho melhor perguntar a casa editora.
    – Lambie
    Jan 20 at 17:29

1 Answer 1

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Vejo duas possibilidades para essas trocas: acidental (erro) ou proposital (correção/adaptação) e creio que aqui se trata desta última.

Erro

Em se tratando de livros antigos, digitalizados por software ou digitados à mão, a explicação mais simples para esse tipo de diferença é erro — no software de OCR ou na digitação. Contudo, "A Cidade e as Serras" não é tão antigo assim, e versões escaneadas que encontrei (e.g., aqui e aqui) têm claramente dois-pontos (no seu primeiro exemplo), tornando erros menos prováveis, especialmente de OCR.

Adaptação

Embora haja valor, especialmente histórico, em se preservar a forma original de uma obra, também é importante preservar, dentro do possível, a intenção original do autor, assim como a legibilidade para leitores modernos. Nos dois exemplos dados, eu diria que o texto de Eça diverge do uso atual (i.e., depois de "torno" usaríamos ponto e vírgula, e, depois de "noção", dois-pontos), como também observa Tereza Moura Guedes, em Falar Melhor, Escrever Melhor (via Ciberdúvidas):

O emprego deste sinal [dois pontos] é dos que mais têm variado com os tempos e as modas. Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós, por exemplo, empregavam-no em vez do ponto e vírgula.

Nota-se também que, por exemplo, essa digitalização (PDF) feita pela Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro da USP, não apenas contém as trocas mencionadas na pergunta, como também troca "indifferente" por "indiferente" e também atualiza "commando", "janella", "grillo", "intelligente", "philosophia", etc., demonstrando o esforço de modernização da linguagem.

Esse tipo de atualização é comum, mas talvez seja mais notável em Eça de Queirós dado seu prolífico uso de sinais de pontuação.

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