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Olá, gostaria de entender como é usado o verbo doer. Segundo os dicionários que eu consultei, doer é um verbo intransitivo. Mas é comum ver construções como:

me dói a cabeça
dói minha cabeça

Acredito que, no segundo exemplo, minha cabeça atue como sujeito do verbo doer. O mesmo acredito que valha para o termo a cabeça no primeiro exemplo. Mas qual função tem o pronome me no primeiro exemplo? Não seria ele objeto do verbo? E se minha cabeça e a cabeça são sujeito, existe algum motivo de porque colocamos geralmente esses termos depois do verbo?

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    Acho idiomático dizer: Me dói a cabeça ou A cabeça me doi. E: A minha cabeça dói quando eu {sei-lá-o-que]. doer é intransitivo. O uso de me acaba sendo pronominal. Em todo caso, em ambas frases, o sujeito é cabeça. Pouco importa se estiver no comeco ou não.
    – Lambie
    Commented Dec 27, 2021 at 17:06

1 Answer 1

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O verbo “doer” é intransitivo (ou transitivo indireto, tratarei desse caso mais adiante). Não há objeto direto. Em ambos os casos, “cabeça” forma o sujeito da oração.

O que ocorre é a topicalização do verbo, um tipo de transformação sintática em que o verbo é movido para antes do sujeito. Sintaticamente, a transformação que gera “dói minha cabeça” a partir de “minha cabeça dói”, não é diferente da transformação que produz “cairam os livros” ou “sumiu o copo” a partir de suas contrapartes SVO.

Não pude encontrar artigos sobre a topicalização de verbos na língua portuguesa, então, infelizmente, não posso citar fontes. Mas trata-se de uma transformação simples.

Se você me permite opinar, creio que essa transformação parece ser comum a verbos experienciais, em que o sujeito sofre as ações do verbo. Não achei fontes que corroboram esta minha teoria.

Quanto a “me dói a cabeça”, o que ocorre é um fenômeno sintático chamado possessão externa.

Possessão externa

A frase “me dói a cabeça” usa um tipo de construção chamada “possessão externa”, ou, mais especificamente, “possessão externa por pronome clítico dativo”. Dafne Palu descreve esse tipo de construção na língua portuguesa em seu artigo. Citando a autora (traduzido por mim):

Basicamente, possessão externa acontece quando o possessor e a posse “falham em formar um constituinte nominal único”. Línguas europeias, incluindo Português e suas contrapartes românicas, geralmente expressam possessão ao codificar o possesor como um clítico dativo.

Noutras palavras, enquanto que na construção sintática chamada “possessão interna”, o possessor e a posse formam um único sintagma (isto é, uma única estrutura sintática), como em “Eu penteei seus cabelos”, onde “seus cabelos” forma um sintagma nominal único, usado como objeto da oração, com o possessor sendo o pronome possessivo “seus” e a posse sendo o substantivo “cabelos”; na “possessão externa”, o possessor e a posse encontram-se em sintagmas diferentes. Exemplos de possessão externa são:

  • Penteei-lhe os cabelos.
  • Me tomaram a bola.
  • Toquei-lhe a mão.
  • No outro dia, lavei-lhe o cabelo.

Esse tipo de construção não é comúm só no Português, demais línguas latinas e outras línguas europeias que formam o Sprachbund chamado Standard Average European (algo como “Europeu Padrão Médio”) também tendem a ter tal construção.

Neste tipo de construção, o pronome oblíquo átono é usado com sentido dativo (objeto indireto). Portanto, “Me dói a cabeça” equivale, sintaticamente, a “A mim dói a cabeça”, usando a contraparte tônica do pronome oblíquo. Apesar da equivalência sintática, a segunda forma não é comum. Note que me, neste caso, não é objeto direto do verbo doer.

Verbo transitivo indireto

Há porém uma outra forma para o verbo “doer”, na qual ele é transitivo indireto, e suporta um objeto indireto. Novamente, não há objeto direto para este verbo.

O dicionário Aulete define “doer”, no sentido 3°, como “provocar dor física ou moral (em)”. Neste caso o verbo é transitivo indireto e o objeto indireto é a quem (ou o quê) dói, enquanto que o sujeito é a causa da dor.

Nesta interpretação, a sua frase pode ser entendida como “a cabeça provoca dor em mim”. Esta interpretação é ligeiramente diferente de “a cabeça dói”. Porém, imagino que esta interpretação não seja aquela a qual você se refere na pergunta.

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    Bons olhos te leiam! Tens a certeza do "Feriram-no no pescoço"? Eu esperaria feriram-lhe o pescoço. Eu conheço isto como dativo de posse; nunca ouvi falar de acusativo de posse. Além disso, se tirares "no pescoço" ficas com uma frase bem formada, "feriram-no", em que (n)o é simplesmente o complemento direto.
    – Jacinto
    Commented Apr 12, 2022 at 1:36
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    Olá, Jacinto. Quanto tempo! De fato, o Feriram-no no pescoço é um exemplo de possessão externa por acusativo. Eu retirei o exemplo do artigo da Dafne Palú sem prestar muita atenção ao paragrafo que o precede e o explica. Corrigido.
    – Seninha
    Commented Apr 12, 2022 at 11:04
  • Parece-me que verbos não podem ser tópicos. A Gramática do Português da Gulbenkian (vol. I, p. 407) discute os exemplos chegou a Rita; não se acabou o chá; telefonaram uns alunos teus, e diz que eles não têm uma estrutura tópico-comentário; diz que o sujeito em posição pós-verbal não é tópico, mas não diz que o verbo o seja.
    – Jacinto
    Commented Apr 12, 2022 at 11:06

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