Eu sei que não usamos mais combinações de pronomes (mo, lho, to, no-lo, vo-lo), mas se ainda usássemos, seria possível esse uso da mesóclise com o pronome combinado no-lo ou existe alguma regra que impede isso? Por exemplo: Eles tomarão o carro de nós se torna: Tomar-no-lo-ão eles.
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Nos quem? Os portugueses continuam usando esses pronomes. Eles tomarão o carro de nós. é registro baixo. tomar em que sentido? Eles levarão o nosso carro, por exemplo.– LambieApr 14, 2022 at 15:18
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O sentido de tomar não é relevante para a compreensão da pergunta, tanto que nem eu me mesmo me preocupei com ele. Com “nós” refiro-me a nós brasileiros, já que no Brasil não se usa mais a mesóclise popularmente; não fazia ideia que em Portugal se usava, mas de novo, não é relevante para a compreensão da pergunta, então não importa muito.– єυlєтяicσApr 14, 2022 at 15:29
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Sim, é melhor indicar o país porque aqui há muitos portugueses que participam. Acho que sim, tomar é importante para a pregunta. Por exemplo, a mesóclise é norma cultura, tomar o carro de nós, não. E os portugueses na fala usam os alguns dos outros.– LambieApr 14, 2022 at 15:41
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@Lambie Tenho certeza que todos, até os portugueses, entendem que “tomar” é um verbo e que “tomar-no-lo-ão” é uma mesóclise desse mesmo verbo no futuro do presente e isso basta para entenderem o fundamento da minha pergunta. Não vejo necessidade em indicar o país, uma vez que é fácil ver que a pergunta não depende do regionalismo para ser compreendida, ou seja, não importa se a mesóclise é usada ou não aqui ou ali. Se você sabe o que é mesóclise, então você consegue responder a pergunta, se não sabe, não tem porque se incomodar e nem a mais ninguém.– єυlєтяicσApr 14, 2022 at 16:00
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Desculpa, mas quando se faz uma pergunta, o registro tem importância. O problema não é o verbo tomar, e o "tomar de nós" que nunca apareceria numa mesóclise que é por definição norma culta. Em vez de me dizer que incomodo, deveria me agradecer o conhecimento. E se não me acredita, pergunta ao Jacinto. Falei aqui em país, porque ele é português, e sabe mais sobre tudo isso que qualquer outro participante.– LambieApr 14, 2022 at 16:15
2 Answers
Esta construção está atestada desde os primórdios da literatura em português, mas vai rareando hoje em dia. Exemplo de Ramalho Ortigão (1836 – 1915), citado por Manuel da Cruz Malpique (negrito meu em todas as citações):
Sede sátiros apenas, se o puderdes ser com a hipocrisia devida à morigeração das aparências. Satíricos nunca! As classes médias não vo-lo levarão a bem; as classe baixas levar-vo-lo-ão a mal
De outros grandes autores, temos far-no-lo-ão de Oliveira Marques (1988), dir-vo-lo-ei de Alexandre Herculano (1843), dar-vo-lo-ei de Almeida Garret (1842). E não poderíamos saltar Luís de Camões (Filodemo, ato 2, cena 2; edição de 1834)
[…] o caso he este; dir-vo-lo-hei; porém he necessário que primeiro vos alimpeis como marmelo, e que ajunteis para hum canto da casa todos esses maos pensamentos;
Depois temos agradecer-vo-lo-emos em carta do rei D. João II a Cristóvão Colombo (1488), e termino com um cantiga de amigo do século XIII (clica nos quadradinhos à esquerda para notas explicativas):
—Dizede-m’ora filha, por Santa Maria
[…]
Qual est o voss’amigo que mi vos pedia?
Se mi o vós mostrássedes, gracir-vo-lo-ia. [= agradecer-vo-lo-ia]
—Madr’, eu amostrar-vo-lo-ei
A propósito de far-vo-la-ei , diz o Ciberdúvidas (2008) que “é uma combinatória possível, mas complexa e rara”. Jorge Madeira Mendes (A folha, boletim da língua portuguesa nas instituições europeias, 2015), observa que formas como ter-vo-lo-emos e ter-vo-lo-íamos são gramaticais mas que há uma tendência incipiente já avalizada por alguns gramáticos jovens para substituir a mesóclise pela ênclise, resultando em coisas como teremo-las ou teríamo-las. O meu Word assinala erro nestas ênclises, mas não nos ter-vo-lo-ia, far-no-lo-ão, etc.
Observações:
As combinações mo, to, lho, no-la, etc. já não se usam no Brasil, mas usam-se em Portugal. Vê esta pergunta. O no-lo e vo-lo são raros na linguagem coloquial, mas mo, to, lho, etc. são relativamente comuns. A mesóclise é que é também relativamente rara na linguagem coloquial. Contribuem para isso a tendência a substituir o futuro por outros tempos (eu normalmente não digo o livro? levar-to-ei amanhã; digo antes levo-to amanhã ou vou levar-to amanhã) e a substituir o condicional/futuro do pretérito pelo imperfeito do indicativo (se pudesse, ajudava-te em vez de ajudar-te-ia).
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@єυlєтяicσ, com a tua correção, eliminei uma observação que agora seria inútil.– JacintoApr 14, 2022 at 15:34
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Sim, Jacinto, sim, só que""tomar o carro de nós" não é registro alto. E a mesóclise em todo caso é um uso de norma culta, se não me engano. Acho importante falar nisso/disso.– LambieApr 14, 2022 at 15:46
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Existem outras formas também que são admissíveis de acordo com a '(Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, vol. II, pág. 2235).'
Construções como se-mo(a), se-lho(a), se-vo-lo(a), se-no-lo(a).
Exemplos: «Sobre as provas... apresentar-se-vo-las-ão amanhã». Ou seja, apresentar-se-ão as provas a vós. Fica mais compacto do que dizer a frase extensa.
Outro exemplo: «Quanto aos chocolates trar-se-mo-ão ainda hoje?» (trar-se-ão para mim os chocolates?).
O exemplo com mais hífens que encontrei é com o verbo «pré-abrir-se».
Ex: «Aos alunos que farão a prova do ENEM: as portas pré-abrir-se-vo-las-ão ao meio-dia». (pré-abrir-se-ão as portas a vós).
Outra coisa: vo-lo(a)(s), no-lo(a)(s) podem iniciar frases e parágrafos.
Ex.: «No-lo dirão amanhã, sabes? — perguntava à sua mãe». Ou, dir-no-lo-ão, como se queira preferir.
Além disso, existem as formas «enclíticas compostas» (fora-se-me, diga-se-lhe, conto-vo-lo,trouxemo-vo-las, trazíei-vo-las, fizeste-vo-los, entregastes-no-las,...).
Infelizmente a norma padrão não admite as formas «se-o» como existe amplamente em espanhol. Como: «faz-se-o», «traz-se-a», dizer-se-os etc. Em espanhol o uso é assaz frequente: decírselo, traersela, hacerselos...
Espero ter-te ajudado!
Bem-hajas!
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1Excelente. Obrigado por esta primeira contribuição — espero que possamos contar com muitas outras.– stafusa ♦May 6 at 7:09
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Várias coisas a melhorar nesta resposta. a começar por coisas erradas: "no-lo dirão" não é possível porque não há contexto para proclise (65.1.3 na gramática da Gulbenkian), assim como "troxuxemo-vo-las" e "trazíei-vo-las" (o s só cai com verbo e na 1.a pessoa pl e com "nos"). E no ex. dos chocolates (plural) devia estar "mos". De resto, arriscaria que os exemplos dados não seriam escritos e muito menos ditos por nenhum falante da língua (são super estranhos, contrariamente aos do Jacinto), e que seria melhor substituí-los por exemplos da literatura. May 21 at 18:10