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Eu sempre achei que sabia quando usar um e outro. Um dia li algo que não era o que eu pensava. Afinal, quando eles são intercambiáveis ou quando tem significado diferente?

Dá para dizer que a tradução do inglês é direta sempre?

story → estória

history → história

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  • Sim, esse é uma boa pergunta! Acho que você cria uma estória mas relata uma história. Sendo assim, seria basicamente igual inglês - A story is created, a history is related. Aug 11, 2015 at 19:45
  • 1
    É o que eu achava :) Parece que não é.
    – Maniero
    Aug 11, 2015 at 19:45
  • 2
    Atualizei a minha resposta, com citações antigas. Quando escrevi a resposta original ainda não tinha descoberto o Corpus do Português. A palavra historia aparece no século XVI. O que se usava antes era sobretudo estoria, mas com o mesmo significado. A distinção de estória - fictício e história - real foi uma invenção do século XX.
    – Jacinto
    Jan 19, 2016 at 1:50

2 Answers 2

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As duas grafias existem há muito tempo e antigamente havia uma diferença significativa entre elas. A palavra estória é muito antiga na língua portuguesa, acredita-se que tenha surgido no século XIII. Empregava-se a forma estória quando a intenção era se referir às narrativas populares ou tradicionais não verdadeiras, ou seja, ficcionais. Já a palavra história era utilizada em outro contexto, quando a intenção era se referir à História como ciência, ou seja, a história factual, baseada em acontecimentos reais.

A palavra estória é considerada um tipo de arcaísmo, isto é, aquelas palavras que, por serem muito antigas, quase não usamos mais. Ela era utilizada quando ainda não havia uma grafia uniformizada para as nossas palavras, mas, em 1943, com a vigência do nosso sistema gráfico, a Academia Brasileira de Letras entendeu que não deveria mais haver diferenças entre história e estória e que a palavra história deveria ser empregada em qualquer situação, seja para nomear narrativas ficcionais ou reais.

Exemplos:

  • A mãe contou uma história para o filho dormir.

  • Os amigos adoram contar histórias de pescador.

(Antigamente, a forma correta a ser empregada nesses exemplos abaixo ↓ era estória.)

  • Os alunos irão aprender sobre a história da Língua Portuguesa.

  • A turma ouviu atenta a história da vida de Machado de Assis.


Já no Inglês, essa diferença ainda persiste, e com umas regras a mais. History continua significando a ciência histórica. Mas story pode significar: obra de ficção que narra uma série de eventos relacionados entre si; piso, andar ou pavimento; e matéria jornalística.

Exemplos:

  • The Empire State Building has 102 stories of office space.
    (O “Empire State Building” tem 102 andares ocupados por escritórios.)

  • Email this story.
    (Envie essa matéria por e-mail.)

  • However, this is a story with a happy ending. (ABC News)
    (Entretanto, essa é uma história que tem um final feliz.)

  • Founded in the 17th century, Boston is steeped in history. (USA Today)
    (Fundada no século XVII, Boston está repleta de história.)

Fontes:

http://www.escolakids.com/historia-ou-estoria.htm

http://www.teclasap.com.br/falsas-gemeas-history-x-story/

http://www.englishexperts.com.br/forum/story-x-history-qual-a-diferenca-t4154.html

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  • 2
    A estória da escolakids que tu citas é pura ficção. Estoria foi usado nos séculos XIV e XV, mas com o significado de relato verídico. Nessa altura ainda não se usava a palavra historia. Vê a minha resposta.
    – Jacinto
    Jan 19, 2016 at 1:44
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Eu também pensei em tempos que história era o estudo do passado ou um relato de acontecimentos verídicos, e estória era uma narrativa ficcional. Mas não é bem assim. História segundo o Aulete digital e o Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa engloba quer o estudo do passado e relatos verídicos quer as histórias da carochinha. O Aulete também tem o verbete estória, como narrativa ficcional, mas remete para história, que diz ser a forma preferida. O Dicionário da Academia nem sequer tem estória.

Finalmente, na triste história de estória o Prof. Cláudio Moreno desvendou-me o mistério. Explica ele que estória aparece em textos medievais, tal como hestoria, istoria, e estorea. Mas qualquer destas palavras tanto pode significar relato verídico como fictício. Era simplesmente a grafia que não tinha estabilizado. Na escrita de Camões a grafia já estabilizara em historia. No século XX puseram-lhe o acento. Foi em 1919 que o intelectual brasileiro João Ribeiro propôs a tal distinção entre estória e história. O novo termo foi popularizado em 1967 pelo autor brasileiro João Guimarães Rosa, mas nunca teve aceitação universal, como podemos ver no Aulete digital.

Posto isto fiz a minha própria pesquisazinha no Corpus do Português, e os resultado estão na tabela abaixo. Basicamente historia aparece no século XVI e substitui estoria e outras variantes.

Número de ocorrências no Corpus do Português

           Século   XIII   XIV    XV   XVI   XVII
Estoria(s)            2    382   407    22     1
Estorya(s)            0    234    10     4     0
Estorea(s)            0      0    11     8     0
Hestoria(s)           1      0    14     0     0
Historia(a)           0      0     2   356   386

A única ocorrência de estoria no século XVII é elucidativa. É de Bento Pereira, Thesouro da Lingoa Portuguesa, 1697 (Corpus do Português):

Estoria. Vide Historia

Ou seja, tratava-se simplesmente de duas variantes gráficas da mesma palavra. Em praticamente todos os casos que vi, estas palavras designam relatos que os autores acreditam ser verdadeiros. A exceção são fábulas de Esopo, econtradas num manuscrito do século XV, onde curiosamente se emprega hestoria (possivelmente uma variante surgida aquando da transição de estoria para hisoria). Eis alguns exemplos, como uma fábula completa no fim:

Ora leixaremos de fallar desto e tornaremos ao conto dos reis de Navarra pera hyrmos per esta estorya dos reis de Navarra em dyante. E despois tornaremos aos reis d'Aragom e de França e de Castella e de Leom e per qual guisa foron juntos os reynos de Castella e de Leon. Conta a estoria dos reis de Navarra que este rey dom Garcia, de que avemos dicto, foy filho de dõ Sancho, o Mayor. (Crónica Geral de Espanha, 1344.)

E por nom fazer longo prolego farei aqui começo em este virtuoso senhor, do qual veeo o valente e muito virtuoso conde estabre dom Nuno Alverez Pereira. E assi, de hi em diante, siguiremos nossa estoria. (Crónica do Condestável Nuno Alvarez, 1431)

Os homens prinçipais que com elle hião forão Gonçalo Rodriguez Caldeira, seu irmão João Caldeira, Simão Pedroso da Castanheda, Christouão Foreiro, Diogo Lobo de Sousa, que depois foi capitão de bardes, e outros que se nomearão pelo descurço da estoria que fizerão feitos abalisados. (Diogo do Couto, 1542-1616, Da Asia, Década VIII.)

O Livro de Esopo: XLVI [o leão e o rato]

Diz que foy hũa vez hũu leom que jazia em hũu mato de so hũa fremosa verdura. E os rratos ssobiam per çima d’elle, pera escarneçerem d’elle; e elle tomou hũu e queria-ho matar. E ho rrato lhe rrogou que lhe nom fezesse mall, ca nom seria ssa homrra, dizem[do q]ue [em] algũu tempo lhe poderia fazer algũu boo s[erviço]. E o leom o leixou, e nom lhe fez mall. [E ho] rrato lhe deu muytas graças.

E d’hi a [pouco] tempo cayo o leom em hũu laço que lhe fezerom os caçadores pera o filhar: e o leom começou de braadar altas vozes. E este rrato, a que ell perdoára a morte, lhe disse:

— Quamtos leões no mundo ssom nom te podem d’aquy liurar! Mays eu, que ssom a mais vill alimalia do mundo, pella graça e bem que me fezeste, te quero liurar.

E loguo ssobio e rroeo ha corda que tijnha no pescoço e liurou-[ho] d’aquelle prijguo. E o leom veem[do]-ss’ em liberdade, deu muytas graças ao rrato, e foy-sse sseu caminho.

Em esta hestoria o doutor emssina os grandes homẽes do mumdo e os poderosos, que nom despreçem os pequenos que ham pequeno poder, ca nom he nhũu homem de tam pequeno poder que nom possa seer proueytoso em algũu tempo aaquell que he gramde e poderoso. Tall seruiço lhe póde fazer hũu homem pequeno, que lh’o nom póde fazer hũu gramde.

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  • Excelente serviço público, aliás, como sempre! Em qualquer caso, para ter o cérebro e a memória bem organizados, sigo o exemplo do intelectual João Ribeiro. Gosto da sua proposta, é clara, julgo que tem lógica, e é semanticamente correta. Até pela similitude com o Inglês, onde essa distinção semântica, de facto, existe. Mar 2, 2018 at 20:18
  • @JoãoPimentelFerreira, obrigado. Usava-se em tampos antigos também "crónica", essa, creio, designava sempre acontecimentos reais. Li algures (posso procurar se estiveres interessado), que na época medieval se fazia a distinção entre estória/história/etc., sempre centrada nalguma pessoa, e crónica, referente a um período. Assim, uma crónica de D. João I seria sobre os acontecimentos principais durante o seu reinado, evolvendo ou não o rei, enquanto a estória/história de D. João I seria centrada no próprio rei.
    – Jacinto
    Mar 19, 2018 at 19:11

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