Migo, tigo, etc. são palavras do português medieval que significavam simplesmente comigo, contigo, etc. (como já diz o Artefacto), tendo sido substituídas por estas últimas no português moderno. Tudo o mais são confusões do Priberam. As formas medievais vêm do latim mēcum, tēcum, etc., com os mesmos significados, como se mostra na tabela abaixo.
Latim Português medieval Português moderno
mēcum migo comigo
tēcum tigo contigo
sēcum sigo consigo
nōbīscum nosco conosco
vōbīscum vosco convosco
Fonte: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa
As palavras latinas já incluíam a preposição cum, ’com’. Por exemplo, tēcum vem de te, ablativo de tu, + cum. A posição de cum após o pronome é curiosa. É um bocado como se nós disséssemos mim com, ti com, nós com, etc. Cícero disse que tudo começou com nōbīscum (nōbīs é o ablativo de nōs, ’nós’) para evitar cumnobis, um cacófato muito feio porque soaria como cunnō bīs (pormenores no Wikitionary). Linguistas modernos sugerem que cum tivesse originalmente sido um advérbio, tendo por isso posição mais livre na frase.
A passagem de -cum a -go (mecum → migo, etc.) pode parecer estranha, mas a terminação -m perdeu-se ainda no latim vulgar, e o -c- intervocálico tendeu a passar a -g- na evolução para o português (como em amicum → amigo, formicam → formiga, posticum → postigo, lacum → lago). O dicionário Houaiss explica o resto em grande pormenor no caso de comigo (desenvolvo as abreviações):
comigo […] ETIMOLOGIA com + antigo migo, este do latim mēcum, de mē ablativo do pronome pessoal ego + -cum ’com’; como se vê, ocorreu um uso pleonástico de cum ou com na posição prepositiva, devido ao apagamento da noção do cum, aglutinado pospositivamente sob a forma -go; é possível que tal uso pleonástico tenha ocorrido no latim vulgar *cumecum, devido ao facto de ocorrer também em espanhol comigo , no italiano antigo commeco e no velhoto konmaik; a passagem -e->-i- deveu-se à influência da forma tónica mim; ver lhe; formas históricas s[éculo]XIII comigo, sXIII comego, sXIII conmigo, sXIV cõmjgo, sXV commiguo
Encontras explicações análogas, mas mais resumidas, nos verbetes contigo, consigo, conosco e convosco. Esta adição do com- ás formas medievais faz-me lembrar o atrás em coisas do tipo há cinco anos atrás, muito comum em Portugal. Pergunto-me se os educadores antigos também acusaram comigo, contigo, etc. de serem vícios de linguagem.
Podes ver no Glosario da Poesía Medieval Profana Galego-Portuguesa muitos exemplos de uso de migo, tigo, sigo, nosco, vosco. Podes encontrar ainda mais exemplos, com contexto completo, no Corpo Informatizado do Português Medieval.
Quando é que as formas medievais caíram em desuso, eu não sei dizer. Mas procurei nalgumas obras, e já não as encontras n’Os Lusíadas (1572), nem na Crónica de D. João I (1443) de Fernão Lopes, nem no Leal Conselheiro do rei D. Duarte (1391-1438); são só as formas modernas as que encontras nestas obras.
Lapsos e idiossincrasias do Priberam
As tuas restantes dúvidas resultam de lapsos e falta de uniformidade por parte do Priberam.
Migo, tigo, etc. sem com significavam o mesmo que comigo, contigo, etc. O Priberam dizer isto acerca de sigo e nosco mas não de migo, tigo e vosco é simplesmente um falta de uniformidade na apresentação.
Precedidas de com, migo, tigo, etc. podem ser reinterpretados como as formas dos pronomes pessoais no caso comitativo, que é o caso “que exprime companhia” (Houaiss). Isto aplica-se a todas as pessoas — migo, tigo, sigo, nosco e vosco. O Priberam mencioná-lo apenas no caso de vosco é novamente uma falta de uniformidade; e dizer que sigo é a forma nominativa só pode ser engano.
Dizer que migo é flexão de mim e que tigo é flexão de tu é novamente falta de uniformidade. Eu, me, mim são tudo flexões do mesmo pronome pessoal. Seria mais natural dizer que migo é flexão de eu, pois normalmente usamos como referência o caso reto.
Também só pode ser engano o Priberam dizer que vosco é um nome masculino, ou que admite plural voscos.
Para vosco
Já houve além de ti pelo menos duas pessoas que escreveram na internet para vosco, aqui (2017) e aqui (2019). Nenhum dos casos é exemplo de boa escrita. Outros resultados são enganos do Google, que leu mal vosso ou Vasco. Diz-se e sempre se disse para vós e não *para vosco. Para vós soa-te mal possivelmente porque o tratamento por vós caiu em desuso há muito tempo (sobrevive em alguns falantes no norte de Portugal e na linguagem da igreja) e tu não estarás familiarizado com ele.