“Não posso estar aqui amanhã” significa apenas ’é-me impossível estar aqui amanhã’. Não vejo nenhuma situação em que possa significar ’existe a possibilidade de eu não estar’. (Poderia significar ’tenho o dever de não estar aqui amanhã’, mas creio que a tua questão não esta.)
“Posso não estar aqui amanhã” é que significa normalmente ’existe a possibilidade de eu não estar aqui amanhã’. Mas isto, dependendo do contexto, pode significar coisas diferentes. Por exemplo:
Paulo à Ana — A Beatriz vem cá amanhã e gostava de te ver.
Ana — Eu posso não estar cá amanhã.
Aqui subentende-se qualquer coisa como ’ainda não sei se cá vou estar ou não amanhã (ainda não sei como é que vai ser a minha vida amanhã)’. Agora nesta outra situação:
Paulo à Joana — A Beatriz vem cá amanhã e não vai gostar nada de te ver.
Joana — Eu posso não estar cá amanhã.
Aqui isto poderia significar o mesmo que em cima (’ainda não sei’) ou ’eu posso escolher não estar cá amanhã (se achares melhor, não venho cá)’. Neste caso, o contexto, expressão facial e entoação é que poderão desambiguar completamente.
A Gramática do Português da Gulbenkian (Lisboa, 2013, tomo I, p. 654-5) confirma que isto é geral:
Em frases com verbos semiauxiliares modais, a negação pode preceder o verbo; nesse caso, semanticamente, incide (ou tem escopo) sobre todo o predicado (incluindo o verbo modal) […] A negação pode seguir o verbo modal, tendo, neste caso, escopo sobre o predicado que segue o verbo modal, mas não sobre o próprio modal
No caso do verbo poder, a Gramática ilustra com “os miúdos [’garotos’] não podem ler este livro”, que significa que eles “não são capazes”, ou que “as circunstâncias não permitem”, ou que eles “não têm permissão”. Enquanto em “os miúdos podem não ler o livro” são possíveis uma “leitura epistémica” (não se sabe se eles vão ler ou não) ou uma “leitura deôntica” (eles têm permissão para não ler). Embora, digo eu, nos contexto mais comuns, a maneira mais natural de exprimir a leitura deôntica seria “eles não têm de ler este livro” ou “não precisam de ler este livro”.