3

Considerando a seguinte frase:

"Vi um homem de cabelos cacheados na rua. Me lembrou João. Poderia até ser ele, mas não era."

No caso de trocar a expressão "ser ele" a fim de utilizar pronome oblíquo, como seria a maneira correta?

"Poderia sê-lo" estaria correto?

Obrigado!

2 Answers 2

1

Eu partilho a intuição e incerteza do Artefacto, mas vou apresentar outro aspeto da questão. Repara neste exemplo diferente:

(a) Vi ao longe um homem da tua estatura. Até poderias ser tu.

Esta frase é absolutamente normal, e tu é indubitavelmente o sujeito, porque concorda com poderias. O predicativo do sujeito está omisso. A frase completa seria “poderias ser tu o tal homem” = “tu poderias ser o tal homem”. Então do mesmo modo, na tua frase,

(b) Vi um homem de cabelos cacheados. Me lembrou João. Até poderia ser ele

“Até poderia ser ele” está absolutamente correto, e ele pode ser interpretado como sujeito de poderia ser (tal como tu na minha frase), com o predicativo também omisso: “poderia ser ele [João] o tal homem” = “ele [João] poderia ser o tal homem”. Sendo ele o sujeito, não pode ser substituído por o/lo.

Agora a questão é se na tua frase ele pode também ser o predicativo, estando o sujeito omisso. Neste caso a frase seria “[o tal homem] poderia ser ele [João]”, sendo o tal homem sujeito, caso em que seria em princípio possível (mas não necessário) substituir ser ele por sê-lo. O Artefacto analisou esta questão, e eu não me vou meter nela.

Há uma outra possibilidade, mas não me parece nada natural, que é interpretar a tua frase como “[João] até poderia ser ele [o tal homem]”. Ou seja, admitiríamos que o sujeito de poderia ser é o João mas está omisso e que ele é o predicativo e se refere a “o tal homem”. Nesse caso poderias em princípio dizer poderia sê-lo, ou seja, “[João] poderia sê-lo [o tal homem]” (seria como dizer na minha frase, “poderias sê-lo [o tal homem]”). Mas isto não me parece nada natural, porque eu instintivamente interpreto ele como referindo o João.

6
  • Perfeito, Jacinto, muito obrigado! Agora fez ainda mais sentido. O pronome oblíquo não pode se referir ao mesmo sujeito da frase. Nesse caso, essa frase pode ter dois sujeitos, o que nos leva a essa dubiedade, mas, por citar "João" anteriormente, nos dá a impressão de que ele também é sujeito na segunda frase, o que a tornaria incorreta.
    – Lucas Lima
    Commented Apr 29, 2020 at 2:39
  • @Lucas, noutros casos poderia: em "João vestiu-se", se refere-se ao sujeito João. Mas em "X é Y", um é sujeito e o outro é predicativo. Portanto em "poderia ser ele", ele ou é sujeito (com predicativo omisso) ou é predicativo (com sujeito omisso). Interpretando ele como sujeito, fica perfeito. "Até poderia sê-lo", naquele contexto, é que é duvidoso. Mesmo que seja correto, é estranho. Eu tenho visto o como predicativo é em frases como "João gostaria de ser médico. Até poderia sê-lo, se se empenhasse", "João pensa que é esperto. Poderá sê-lo, mas neste caso está enganado" >>
    – Jacinto
    Commented Apr 29, 2020 at 8:51
  • Ou seja, o demonstrativo o normalmente refere-se a um atributo (médico, esperto), não a uma pessoa. É claro, isto pode ser simplesmente por frases do tipo "João é [atributo X]" serem mais comuns que "João pode ser [pessoa X]".
    – Jacinto
    Commented Apr 29, 2020 at 8:56
  • ser rico, ser pobre, ser + ajetivo= sê-lo, substitui ao ajetivo//ser aquele homen, ser aquela pessoa, ser + substantivo: ser ele ou ser ela. Me parece óbvio....
    – Lambie
    Commented May 1, 2020 at 18:28
  • @Lambie não me parece nada óbvio. Ser vilão/um vilão/o melhor pai do mundo e outros grupos nominais parecem-me em maior ou menor medida substituíveis por -o (e.g. O João pensa que é o melhor pai do mundo, mas não o é).
    – Artefacto
    Commented May 2, 2020 at 1:37
3

Intuitivamente, diria imediatamente que não. Mas vejamos.

Numa frase equativa (duas expressões nominais ligadas pelo verbo ser), só o predicado pode ser substituído pelo clítico invariável. Nem sempre é fácil identificar o sujeito e o predicado, e por vezes as duas expressões nominais têm o mesmo valor referencial, mas, neste caso, parece-me que ele é o sujeito da frase. Aplicando um dos testes, o do foco, e simplificando um pouco a frase, temos:

O homem que viste é o João ou o amigo?
O homem que vi é O JOÃO.
O JOÃO é o homem que vi.

O João é o homem ou a criança que viste?
*O HOMEM QUE VI é o João.
O João é o HOMEM QUE VI.

Isto sugere que a frase canónica é o João é o homem que vi, e que o João é o sujeito.

Portanto, assumindo que o par se comporta da forma típica, podemos dizer:

O homem que vi, o João poderia sê-lo.

mas não:

*O João, o homem que vi poderia sê-lo.

A minha intuição diz-me que a última frase é de facto inaceitável, mas também não estou 100% confortável com a anterior (o João poderia ser ele parece-me melhor).

1
  • Muito obrigado, Artefacto! De fato essa frase tem me deixado confuso. Ela também não me soa correta. Talvez, nesse caso, fosse mais adequado esconder o sujeito: "Poderia até ser, mas não era." já que na frase anterior eu cito "João". O que acha?
    – Lucas Lima
    Commented Apr 28, 2020 at 18:00

Your Answer

By clicking “Post Your Answer”, you agree to our terms of service and acknowledge you have read our privacy policy.

Not the answer you're looking for? Browse other questions tagged or ask your own question.