Qual a origem da expressão: "Quem tem filhos, tem cadilhos"?
Quais os primeiros registos da sua utilização?
cadilhos=problemas?
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Sign up to join this communityEsse provérbio já vem numa obra do século XVII, a Feira do Anexins de Francisco Manuel de Mello (1608-66, Wikipédia). Deixo aqui com algum contexto, mas macacos me mordam se eu compreendo alguma coisa, porque as personagens falam só com provérbios e trocadilhos:
— Bem sabemos, que não quer cag… maçarocas; por isso não come fiado
— Folgo que lá se embaracem; que eu por um triz, que não desconfio; e era capaz de dar dous pannos.
— Agora, quem tem filhos tem cadilhos: vossê não havia de chegar a esses termos.
Dois dicionários de 1836 e 1842 explicam que cadilhos são uns fios que ficam soltos na borda dos tecidos acabados de tecer, e também franjas e coisas assim; e daí a ideia de coisa pendurada. O primeiro dicionários curiosamente tem a versão “quem não tem filhos tem cadilhos” (não tens filhos, tens outros dependentes):
CADILHOS […] fios primeiros do urdume que não levão teage de fios atravessados, e que ficão soltos quando se cortão as têas; franja, v. g. das alcatifas , franja de fio de ouro ou prata; fios de borla de doutor, fios pendentes. Quem não tem filhos tem cadilhos, prov., dependentes, pessoas a seu cargo.
Francisco Solano Constancio, Novo Diccionario Critivo e Etymologico da Lingua Portugueza, Paris, 1836
O de 1842 dá um enfoque um nadinha diferente:
CADILHO […] guedelha comprida a modo de franja na extremidade das toalhas, guardanapos, alcatifas, sanéfas etc. it. acessórios, anexos no sent. fig. por isso daqui vém o prov. “quem tem filhos tem cadilhos.”
Antonio Maria do Couto, Diccionário da maior parte dos termos homónymos, e equívocos da lingua portugueza, Lisboa, 1842
Esta ideia, dos filhos como coisa pendurada lembra-me pingente encardido, que eu já tenho ouvido pais chamar às crianças (pingente (Priberam) é coisa que pende).
Mas dois artigos na Revista Lusitana de 1908 e 1911 (podes obtê-los na Biblioteca Digital Camões) vão num caminho diferente. O artigo de 1907 (vol. X, p. 83) diz que com os cadilhos dos tecido acabados de tecer se fazem barbantes, e daí “a significação metaphorica de «embaraços»”. O de 1911 (vol. XIV, p. 150) corrobora: diz que no Minho, cadilho se usa na “acepção de «amarrilho» = fio para prender” e que é “nesse sentido que o termo entra no provérbio : «Quem tem filhos tem cadilhos;» isto é «prisões, peias, cuidados.»