Basicamente, quando é que o pretérito perfeito composto (PPC) se aplica a estados contínuos, como o “o Beto tem estado gripado”?
O PPC indica por excelência ações que se vêm repetindo até ao passado recente, podendo continuar no presente. Exemplos da Gramática do Português da Gulbenkian (tomo II, 2013, p. 1258):
O João tem visitado a avó.
A Clara tem feito os trabalhos de casa.
O Cristiano Ronaldo tem marcado muitos golos.
Mas pode também aplicar-se a estados contínuos. Pode “representar uma única situação que se prolonga no tempo”, diz a Gramática (p. 1261), dando como exemplos:
O João tem estado doente.
Nos últimos cinco anos, o Pedro tem morado em Lisboa.
Por outro lado parece-me claro que o PPC não se aplica a todos os estados contínuos. A mim custa-me a aceitar coisas como:
??A Ana tem estado grávida.
??Tenho estado aqui nos Açores há duas semanas.
??Tenho tido estes óculos desde 2012.
Para não falar em:
???Tenho sido doutorado desde 2004.
Em todos estes casos eu usaria o presente do indicativo: “a Ana está grávida”, “estou aqui nos Açores há duas semanas”, “tenho estes óculos desde 2012”, “sou doutorado desde 2004”. No caso da Ana, se quisesse focar explicitamente o passado, como faz o PPC, poderia dizer, “a Ana está grávida há algum tempo”. Mesmo no exemplo do Pedro da Gramática — “nos últimos cinco anos, o Pedro tem morado em Lisboa” — parece-me mais natural:
O Pedro mora em Lisboa há cinco anos.
No entanto não tenho a certeza que o significado seja exatamente o mesmo. Por outro lado não tenho problema nenhum com:
O Beto tem estado com gripe.
Tenho estado aqui à tua espera há montes de tempo. Estava a ver que não aparecias.
Este ano tem sido seco.
Então a pergunta é:
- Quais são os fatores que permitem/impedem, ou facilitam/dificultam, a aplicação do PPC a estados contínuos?
- Quando o PPC é substituído pelo presente do indicativo — “nos últimos cinco anos, o Pedro tem morado” versus “o Pedro mora há cinco anos” — o significado mantém-se ou altera-se de algum modo?