Pena — não a das aves, que vem do latim penna — mas a outra que vem do latim poena (’punição, sofrimento’), atualmente significa basicamente ’desgosto, dó’ ou ’punição judicial’, mas no passado, segundo o dicionário Moraes Silva de 1789 significou também ’trabalho’ e ’incómodo’; e por trabalho entendia-se também, segundo o mesmo dicionário, “[a] difficuldade, e incommodo do trabalhar” e “[c]oisa que incommoda, afflige o corpo, ou espirito.” A edição de 1823 complementa com exemplos de autores clássicos (negrito meu; grafia original em todas as citações):
PENA, s. fem. Dor, molestia : “com pena punha os pés no chão” […] § Dôr. § Afflicção. § Trabalho. […] “a mim me custará pouca, ou nenhuma pena a sua averiguação” […] § Trabalho, incommodo: “recebia o mercador muita pena em acordá-lo o Mouro com os brados” […] “carne, vinho… tudo com pena se achava” (com trabalho, em tempo de fome, que houve)
Estes significados de pena refletem-se ainda hoje no adjetivo penoso (Aulete). Precisamente, em 1827, Francisco de São Luís (Glossario das palavras da lingua franceza…, p. 103), ao desaconselhar penível por galicismo, diz que o que se deve usar é “penoso, molesto, incommodo, trabalhoso” ou “que causa pena”.
Eu encontrei a locução valer a pena só a partir de 1787, e para mim não restam dúvidas que por esta altura o pena da locução seria entendido como ’trabalho, incómodo’. E foi esse o entendimento unânime dos lexicógrafos: a locução aparece em todos os dicionários que vi no verbete pena de poena e não no pena de ave. Ver Aulete, Michaelis, Priberam, Infopédia. O dicionário de Domingos Vieira, de 1874, o primeiro onde encontrei a locução diz precisamente “[m]erecer ou valer alguma cousa a pena; o trabalho que se emprega”. Tem também as locuções com duas penas e com duras penas, que define como “com grande difficuldade ou trabalho”. Também o nosso apenas, muito antes de significar ’somente’, significou ’com grande dificuldade’ (ver esta pergunta).
Fica aqui a título de curiosidade o exemplo de 1787, o mais antigo que encontrei:
E valia a penna de provar a divindade do Envagelho com tanto enfase para o contradizer depois sem lhe fazer quartel?
Bergier e José da Costa Torres (tradutor), O Deismo, Lisboa, 1787, p. 201.
Existe também valoir la peine no francês e merecer ou valer la pena no espanhol. Com a diferença que peine ainda significa ’esforço que custa’, e o espanhol pena, ’dificuldade, trabalho’.
Peine e o espanhol pena não significam pena de ave em geral. No entanto isto não é o argumento decisivo que gostaríamos, se ainda precisássemos dele, pois o espanhol pena (mais abaixo na mesma página) já significou ’pena de ave’, e ainda significa ’pena de escrever’ e ’penas longas usadas no voo’. E peine tem um homófono penne, que é as tais penas longas.
Origens alternativas
Não sei se a evidência que apresentei convence a todos. Mas nesta altura do campeonato eu inverto a pergunta: os proponentes de hipóteses alternativas que mostrem a sua plausibilidade. Como é que se passou de uma crença no antigo Egito para uma locução ibérica e francesa. Na verdade isto é irrelevante. Mesmo que o primeiríssimo uso desta combinação de palavras fosse um mestre-escola que dissesse ao discípulo, “a tua redação não vale (o desgaste d’) a pena”, quem a usasse noutro contexto reinterpretaria imediatamente pena como ’trabalho, incómodo’.
Mas o pessoal gosta de inventar origens exóticas. Também há a tese que valer a pena significou inicialmente ’justificar (uma pessoa arriscar) a pele’, pois pena já significou ’pele’ ou ’couro’ (ver nesta cantiga medieval; clicar nos ícones à esquerda para ver os significados). Ok, esta fui eu que inventei. Mas já alguém sugeriu (ver artigo no Ciberdúvidas) que a locução nasceu quando Richard Strauss visitou Sintra e disse “[c]onheço a Itália, a Sicília, a Grécia e o Egipto e nunca vi nada que valha a Pena