Tal como o Jacinto, não me recordo de as regras de colocação dos pronomes clíticos serem formalmente ensinadas na escola. Recordo-me, por exemplo, de aprender as formas aglutinadas mo, no-lo, etc.. Mas não creio que o facto de serem ensinadas na escola tenha muita influência na forma como as pessoas falam; em particular não me lembra alguma vez ter ouvido um no-lo ou vo-lo.
Quão de perto os portugueses seguem as regras depende muito da região e meio social em que cresceram. Contrariamente ao português do Brasil, os desvios ocorrem na direção da ênclise. Apesar de algumas opiniões em contrário, a maioria dos gramáticos defendem que a ênclise é o padrão de colocação básico no português europeu (desde meados do séc. XVIII). A gramática de Maria Mateus e outras defende esta posição (pág. 850 da 6.a ed.):
[A]s primeiras produções com pronomes clíticos das crianças portuguesas exibem generalizadamente o padrão enclítico, contrariamente ao que está descrito para outras línguas românicas.
(8) a. não chama-se nada (M., 20 meses)
b. é que não estragou-se (J. G., 39 meses)
c. porque é que foste-me interromper? (R., 29 meses)
d. foi alguém que meteu-me nesta fotografia? (J. G., 39 meses)
e. mas ele já foi-se embora (P, 39 meses)
f. que(ro) pôr os papeles aqui pa(ra) não rasgar-se (P., 39 meses)
Por outro lado, e de uma forma consistente com os dados de aquisição exemplificados em (8), as gerações mais novas tendem a produzir crescentemente clíticos enclíticos, em contextos em que a variedade padrão exige próclise, como se pode observar em (9):
(9) a. porque não apercebeu-se que... (12 anos, modo escrito)
b. correspondem à classe onde "só" combina-se com SN (estudante universitário, modo escrito)
c. Todos os verbos volitivos e optativos fazem-se anteceder sempre de um SN. (estudante universitário, modo escrito)
d. Também sabe-se que existe uma certa altura da criança... (estudante universitário, modo escrito).
[...] [D]ados como os apresentados em (9) mostram que a ênclise é o padrão de colocação em expansão [na variedade europeia].
A minha experiência em Lisboa é que a generalidade das pessoas seguem quase sempre as regras de colocação conforme descritas nas gramáticas (com muita variação em relação aos verbos com que fazem subir o clítico e quanto ao padrão a usar em frases infinitas com certas preposições como para), mas que é comum entre pessoas que cresceram nalguns subúrbios mais pobres usar a ênclise em situações proibidas na língua padrão. A não ser que sejam casos subtis, é um erro estigmatizado (veja-se, por exemplo, quando o presidente do Benfica usou O que passou-se?). E conheço ainda um caso mais extremo, de uma madeirense que usa a ênclise mesmo em muitas frases na negativa.