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Encontrei este u’a em Saga do escritor gaúcho Erico Veríssimo (Livraria Globo, 4ª edição, Porto Alegre, 1944). Exemplos (negrito meu):

ao redor de u’a mesa (p. 23)

U’a mulher loura de seios fartos (p. 23)

A última coisa que vejo antes de cerrar os olhos é u’a mão preta junto da minha (p. 70)

A primeira coisa que pensei foi que fosse gralha. Mas encontrei 27 ocorrências, num livro que onde outras gralhas são raras (um sem acento, um adjetivo qualquer no masculino que deveria estar no feminino, e acho que é tudo).

Por outro lado, ua (não sei o que lá faz o apóstrofo; talvez seja para marcar a elisão do m) não seria disparatado. O latim una virou ũa no português medieval, que no tempo do Camões se escrevia hũa, que só depois passou a uma (ver esta pergunta e esta outra). A pronúncia ũa ainda ocorre no Ceará. Já o latim luna era lũa no tempo de Camões (segunda pergunta) e passou depois simplesmente a lua. Ora não teria sido nada de extraordinário se nalguma comunidade hũa tivesse tido uma evolução paralela à de lũa – lua, o que daria simplesmente ua.

Mas eu nunca tinha visto isto antes, e mesmo na Saga uma é muito mais frequente que u’a. O Aulete Digital diz que ua é forma antiga de uma, mas eu acho que eles se enganaram. Eles abonam ua com um verso dos Lusíadas, mas na primeira edição (1572) o que está nesse verso, como em todo o resto da obra, é hũa (“Emcima delle hũa nuvem se espessava” canto V, estrofe 20; podem baixar a primeira edição aqui, e podem ver também aqui no Instituto Camões).

Portanto o que eu espero é que alguém, especialmente os nosso colegas gaúchos, saibam esclarecer esta questão.

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  • Sou gaucho e li há muito tempo a Saga do Erico Verissimo (livro obrigatório para o Vestibular em algumas universidades). Mas nunca ouvi uma e um de forma diferente.
    – Peixoto
    Commented Apr 29, 2019 at 9:15
  • @Peixoto, presumo que na edição que leste, estava "uma"? Deve ser uma edição mais recente, não? A minha é de 1944. Li algures que o Erico Veríssimo considerou a Saga o seu pior romance! Se este é o pior, eu fico ansioso por ler outros.
    – Jacinto
    Commented Apr 29, 2019 at 10:28
  • Eu li no final da década de 90, não lembro qual era a edição. Há várias teorias sobre a Saga, inclusive que Erico Verissímo não conseguiria escrever tudo sozinho e houve outros escritores juntos,,,
    – Peixoto
    Commented Apr 29, 2019 at 10:30
  • Lembro de já ter lido em algum texto muito antigo, mas nem lembro onde foi. Quanto a "gralha", vou consultar o Aulete e ver o significado. Imagino que seja o mesmo que "misprint".
    – Centaurus
    Commented May 1, 2019 at 15:06
  • Tendo vivido no RS dúvido que isso sej algum tipo de referência fonética. Também não acredito que seja alguma obscura regra gramatical mas simplesmente um (intencional) artefato tipográfico, do tempo que páginas de livros e jornais eram impressas apartir de um quebra-cabeças de minúsculas peças de metal
    – jean
    Commented Nov 20, 2019 at 17:14

4 Answers 4

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creio que cheguei uns bons anos atrasado, mas de toda forma gostaria de compartilhar meu pensamento sobre a expressão e uso não somente na literatura mas também em músicas como “Mansão no monte” encontrada em hinários de várias igrejas, mas no meu comentário hoje, baseado no hinário adventista…

História e Evolução de "u’a" na Língua Portuguesa

  1. Origem Latina: A palavra "uma" deriva do latim "una". No português medieval, essa forma evoluiu para "hũa", com uma nasalização que ainda refletia a origem latina. Essa forma é encontrada em textos antigos e é comum em autores do século XVI, como Luís de Camões.

  2. Transição e Simplificação: Ao longo dos séculos, a língua portuguesa passou por diversas simplificações fonéticas e ortográficas. A forma "hũa" eventualmente se transformou em "uma", mas a nasalização permaneceu em algumas pronúncias regionais, resultando em formas como "ũa" em certas áreas do Nordeste brasileiro.

  3. Uso de "u’a" com Apóstrofo: A presença do apóstrofo em "u’a" pode ser uma forma de marcar a elisão ou a supressão do "m" nasalizado da forma antiga "hũa". Essa prática de usar o apóstrofo para indicar elisões é comum em várias línguas e pode ter sido uma escolha estilística ou regional de certos escritores.

Exemplos Literários e Regionais

  1. Erico Veríssimo: O uso de "u’a" em "Saga" pode ser uma escolha estilística do autor para conferir um tom arcaico ou regional ao texto. Veríssimo, conhecido por sua atenção aos detalhes culturais e regionais, pode ter optado por essa forma para refletir uma pronúncia particular ou para dar autenticidade ao ambiente descrito.

  2. Canção “Mansão sobre o Monte”: O uso de "u’a" na canção do hinário adventista também pode ser uma escolha estilística, talvez influenciada por tradições literárias ou musicais que buscavam um tom mais antigo ou poético.

Considerações Linguísticas

  1. Evolução Paralela: A evolução de "hũa" para "ua" poderia ter ocorrido paralelamente em algumas comunidades, de forma semelhante à evolução de "lũa" para "lua". Essas variações regionais são comuns em línguas com ampla distribuição geográfica, como o português.

  2. Apóstrofo: O uso do apóstrofo em "u’a" não é comum no português contemporâneo, mas pode ser encontrado em textos literários e poéticos onde o autor deseja destacar uma pronúncia ou forma arcaica.

Minha Conclusão

O uso de "u’a" é um fenômeno interessante que remete a uma fase mais antiga da língua portuguesa, marcada pela nasalização e variações regionais. Embora não seja comum no português atual, seu aparecimento em textos literários e poéticos serve para enriquecer o contexto histórico e cultural da língua.

Espero ter ajudado! ;)

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Não se trata de algum tipo de regionalismo, mas de um artifício para evitar cacofonia.

Note que, nos exemplos dados, a palavra seguinte ao "u'a" sempre se inicia com a letra "m": escrever/ler "uma" nesses casos provocaria um som estranho causado pela repetição sequencial do fonema "/m/", fazendo "uma mão" soar como "o mamão".

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  • 1
    HWF10, isto é muito interessante. Confirmei que quase todas as 28 ocorrências de u’a que anotei precedem uma palavra começada com m (das exceções, duas tem um m próximo, "u’a alma", "u’a imagem, a outra é "u’a criaturinha"). Mas tens de nos dizer mais. Este u’a foi uma coisa que só o Érico Veríssimo ou um grupo restrito adotou (justificando a classificação de "artificio")? Ou reflete alguma pronúncia, talvez antiga e caída em desuso, do Rio Grande do Sul? Não respondas aqui em comentário; edita a resposta com a informação adicional >>
    – Jacinto
    Commented Apr 21, 2020 at 8:30
  • 1
    >> Até porque nós aqui gostamos de respostas fundamentadas. Em que é que baseias a tua resposta? Este artigo fo Cláudio Moreno diz realmente que alguns "gramatiqueiros" propuseram u’a mão em vez de uma mão para não poder soar como mamão. Mas qual poderia ser o problema com uma mesa, uma maneira" ou "uma mulher"? Se a mera repetição do m fosse desagradável (a ponto de inventar *u’a), não haveria palavras como mamãe, mimo ou memória. Mas +1 desde já pela observação pertinente do m na palavra seguinte.
    – Jacinto
    Commented Apr 21, 2020 at 8:38
  • Creio que não seja o único caso. Um caso que eu conheço, é em uma música, chamada "Mansão sobre o monte", onde se diz "Terei u'a casa no alto do monte" em vez de "Terei uma casa no alto do monte", a fim de que a letra se encaixe na métrica da música. Você pode ouví-la aqui: youtube.com/watch?v=rqjJhgOvKAw Commented Jun 22, 2022 at 13:53
  • Sobre a origem, não sei se existe relação, mas no português medieval as palavras para "um" e "uma", podem ser escritas, respectivamente, como "hũũ" e "hũa" (medieval.rb.gov.br/verbete.php?verbete=um%2C+uma&id=82901). Talvez seja alguma reminiscência dessa grafia? Apenas uma hipótese, mas não tenho fundamentos para afirmar isso. Commented Jun 22, 2022 at 13:59
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Numa aula de Direito Constitucional I recente, um professor fez referência a essa grafia e fiquei instigado procurando por algum esclarecimento. A forma que ele falou denotou que havia certa diferença de significado entre "uma" e "u'a", mas parece ser apenas diferença de grafia mesmo.

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  • 1
    Davi, obrigado e bem vindos. Será que consegues alguma referência sobre o mesmo?
    – Peixoto
    Commented Nov 20, 2019 at 10:24
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Usa-se u'a para evitar cacofonia.Cacófato é encontro da sílaba ou letra final com a próxima palavra que forma um som ( até mesmo palavra obscena ) desarmônico

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  • Boas-vindas ao Portuguese SE! Obrigado por sua contribuição, mas note que sua postagem contém apenas informações já presentes noutra resposta: nessa situação, é preferível registrar sua concordância votando positivamente naquela resposta ao invés de gerar uma postagem redundante.
    – stafusa
    Commented Jan 17 at 18:30

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