Na zona de Lisboa, onde resido, nunca ouvi a designação de «galego» para «loiro»; embora hoje em dia seja bastante rara essa associação, tal como o @Jacinto mencionou num comentário, os «galegos» eram normalmente pessoas com relativamente pouca instrução, fazendo trabalhos que mais ninguém queria fazer, oriundos das sucessivas migrações de pessoas originárias da Galiza nos séculos XIX e XX. Tanto era assim que muitos não tinham dinheiro para viver e trabalhar em Lisboa; moravam do outro lado do rio, naquilo a que durante décadas e até 1930 se chamou Aldeia Galega do Ribatejo (apesar de já ter na altura o estatuto de vila e sede de concelho) — hoje a cidade do Montijo.
Há outras «Aldeias Galegas» pelo país fora — por exemplo, ao pé da cidade de Alenquer —
que, devido a sua relativa proximidade à capital, muito provavelmente tiveram a mesma origem: galegos imigrados que necessitavam de um local barato para viver.
A partir de meados do século XX (segundo o meu pai!), muitos galegos escapavam ao regime espanhol (não que o nosso, na altura, fosse muito melhor...) em alturas de profunda miséria, mas estes frequentemente iam trabalhar em restaurantes. É tradicional encontrar restaurantes (especialmente nos maiores agregados populacionais, do Tejo para cima) chamados «O Galego», que, na sua origem, teriam sido realmente abertos por galegos imigrados. Nestes casos, no entanto, e pelo menos na zona de Lisboa, onde resido, a imagem associada aos galegos é extremamente positiva: ao contrário da ideia dos «pobres galegos sem instrução», a ideia que temos por aqui (ou que tínhamos há 3 décadas...) é que os galegos que para cá vieram, sim, estavam a escapar da pobreza atroz — mas eram esforçados, trabalhadores, dedicados, empreendedores, e, em geral, adorados pelos seus colegas (e clientes).
É evidente que esta é uma imagem que os lisboetas podem ter de uma região de Espanha que é geográfica e culturalmente próxima de nós (o galego será porventura a língua ibérica mais próxima do português, já que o mirandês, a segunda língua oficial de Portugal, está mais próximo do leonês) — apesar da distância de Lisboa à fronteira com a Galiza ser considerável — e que por isso seja profundamente diferente daquela que têm os «vizinhos» minhotos e transmontanos.
Já os espanhóis em geral, tal como o @Rogério afirma, não têm assim grande respeito pelos galegos (mas isso é verdade de todas as regiões de Espanha em relação a todas as restantes regiões...), independentemente da sua distância geográfica; isso, pelo menos, era o que afirmava uma amiga minha, oriunda do sul da Andaluzia, que viveu grande parte da sua vida em Madrid, e depois veio viver para Lisboa durante bastantes anos (agora está algures na América Latina, acho eu). De certa forma, ela achava «estranha» a curiosa admiração e consideração que os lisboetas tinham pelos galegos, quando ela — enquanto natural da Andaluzia — não tinha nada essa impressão. Ela justificava isso com a aparente «ilusão» que os lisboetas têm relativamente aos galegos, considerando-os «muito próximos dos portugueses, especialmente os do Norte de Portugal» — quando isso não é lá muito bem verdade.
Os poucos galegos que conheço pessoalmente tinham todos um carinho especial para com os portugueses e um profundo ódio e desprezo aos castelhanos e demais regiões espanholas; isto é bem visível, por exemplo, quando se vê a forma como os turistas portugueses são tratados na Galiza comparados com os turistas de outras regiões de Espanha. Ironicamente, devido à política Franquista (o tempo da ditadura em Espanha), a língua e cultura espanholas (leia-se: imposta de Madrid...) foram implantadas «à força» na Galiza, há muitas e muitas décadas atrás, e, da perspectiva de um português, os galegos (pelo menos os que têm menos de 80 anos...) são muito mais «espanhóis» do que qualquer outra coisa. Isso reflecte-se não só na forma como falam — os que já aprenderam galego falam-no com um forte sotaque castelhano, quando se pode ver pelos idosos que ainda aprenderam galego antes de ser proibido (ou seja, antes de 1939, mais ou menos), têm um sotaque que, para um lisboeta, é impossível de distinguir do sotaque minhoto. A sério. Até faz confusão. Apesar do castelhano ter 95% de semelhanças com o léxico português, a verdade é que usa um vocabulário muito diferente (não quer dizer que as palavras não existam em português; são é usadas com significados completamente diferentes; e estou a falar do vocabulário do dia-a-dia, pois, talvez de forma pouco intuitiva, é no vocabulário mais «exótico» que se encontram mais semelhanças). Já o galego, pelo menos historicamente, usa expressões que são comuns de ambos os lados do Rio Minho (mesmo que a grafia seja ligeiramente diferente); quando usam essas expressões com o sotaque genuíno do galego, são indistinguíveis do português tal como é falado no Minho. Isso foi algo que só notei quando estive no sul da Galiza e tive a sorte de encontrar alguns idosos a falarem galego «genuíno».
Já o pessoal que aprendeu galego depois da democracia, falam-no como «segunda língua» (a primeira sendo o castelhano), com um sotaque e vocabulários tipicamente castelhanos, mesmo que efectivamente estejam a falar uma língua diferente, e, apesar de terem imensa boa vontade (têm mesmo!), têm uma enorme dificuldade em entender o português corrente (mesmo que o consigam ler e compreender). Consta que as novas gerações, que já aprendem galego praticamente à nascença e o podem praticar com os avós (e não com os pais), estão a voltar a ganhar o sotaque «genuíno» do galego. Mas não conheço nenhum caso pessoalmente, pelo que não posso dizer nada. Apenas posso dizer que, ao ver/ouvir a TV Galicia, ainda acho que a maioria dos locutores fala o galego com forte pronúncia castelhana... apesar de, se calhar, entre os espanhóis, eles não acharem o mesmo.
Seja como for, para mim, louros são os madrilenos (e os andaluzes), não os galegos; esses, pelo menos para mim, são tão louros como os minhotos (ou seja, claro que há galegos louros, como há minhotos louros, mas não são tantos como isso). Isso não é de admirar, já que a Galiza e o Norte de Portugal tiveram imensa influência celta — tal como o País de Gales e a Escócia — e os celtas tinham pele clara e olhos possivelmente claros, mas não eram necessariamente louros. Na Irlanda, as pessoas são desproporcionadamente ruivas — mas muito mais provavelmente devido às invasões dinamarquesas («vikings») do que propriamente por haverem mais celtas louros nessa zona. As zonas também tradicionalmente celtas de França e da Suíça têm igualmente uma proporção de poucos louros — talvez mais do que na Galiza, mas isso é porque se misturaram muito mais com os germânicos que, esses sim, eram louros.
Ademais, os ibéricos que são louros são muito provavelmente descendentes de suevos e visigodos, tribos genuinamente germânicas, que estabeleceram os seus reinos no norte da península; durante a invasão muçulmana, esses suevos, visogodos e demais tribos germânicas foram «empurrados» para as montanhas das Astúrias, e por isso é que não é de admirar que haja aí uma enorme concentração de louros. Mas não no Norte de Portugal ou na Galiza, em que a população local — celtibera — apenas «mudou» de governantes ao longo dos milénios, mas manteve-se mais ou menos coesa (a nobreza visigótica não se iria misturar muito com os «nativos» que eram seus vassalos... o que não quer dizer que não se tenham casado com estes... mas a relativa baixa proporção de louros mostra que isso não aconteceu com tanta frequência como isso).
Enfim, é complicado, e muito mais complicado a partir do século XX, em que a deslocação de populações em massa entre toda a Europa passou a ser muito mais simples do que no passado, e, hoje em dia, é muito mais difícil encontrar populações perfeitamente isoladas que não tenham sido «contaminadas» por essas sucessivas migrações. Por exemplo, é evidente que era no interesse do governo central de Madrid, durante a ditadura, fazer questão em transferir muitos castelhanos para a Galiza, para deliberadamente suprimirem a cultura e língua galegas; em consequência disso, não me custa a acreditar que tenha havido muito mais «mistura» entre galegos e outros espanhóis não-galegos a partir dos meados do século XX, que depois se traduziu numa muito maior diversidade de populações.
Posso dizer, isso sim, que da perspectiva de uma lisboeta, não consigo distinguir fisicamente os galegos dos demais espanhóis, mas consigo distingui-los dos portugueses. Não é fácil de explicar porquê, já que as diferenças são mesmo muito subtis, e os portugueses, como disse, são fisicamente muito variados, com imensas origens e misturas. Como se dizia antigamente, não há português vivo hoje em dia que não tenha antepassados brancos, negros, ciganos, judeus, ou muçulmanos. O herdeiro ao trono de Portugal é descendente de Maomé — a única casa real europeia que pode genuinamente traçar um dos seus ramos a partir do profeta — apesar de ser um bom católico (e a sua família o é desde o século X pelo menos, se não antes), ter quase dois metros de altura, e ser louro de pele muito clara, típica da nobreza alemã da qual descende muito mais directamente...
É óbvio que nem todos os portugueses têm sangue real ;-) mas que isto é uma grande misturada, lá isso é. Curiosamente, com tanta mistura, o património genético dos portugueses é surpreendentemente muito mais uniforme (e distinto!) do que o da maior parte dos povos europeus (incluindo Espanha). A explicação para este «facto» (estudado em detalhe no início da década de 2010) é de que os portugueses, apesar das suas múltiplas origens e misturas, habitaram o mesmo espaço em contínuo durante pelo menos 900 anos (ou 3300 anos, se pensarmos em Lisboa), e, por terem sido relativamente pobres durante a maioria da sua história (com breves períodos excepcionais), viajavam muito pouco, limitando-se às suas fronteiras, que são as mais antigas estabelecidas na Europa (e que se mantiveram na mesma durante quase 900 anos). Isso misturou-nos tanto entre nós — apesar de tanta diversidade! — que ficámos geneticamente uniformes (mesmo que do ponto de vista da expressão do genoma possamos ser muito diferentes!); talvez seja essa a razão pela qual é-me muito mais fácil distinguir um português de um espanhol do que um galego dum castelhano, leonês, andaluz, madrileno... apesar de teoricamente termos muito mais em comum com os galegos.
Enfim, desculpem a divagação, mas queria apenas explicar porque é que, para mim, não faz qualquer sentido chamar «galegos» às pessoas loiras, e, de facto, nunca ouvi tal coisa aqui na região de Lisboa...