O significado exato de estudo nestes poemas compreende-se melhor recorrendo a um dicionário contemporâneo deles, o Morais Silva de 1789 (negrito meu em todas as citações; grafia original):
ESTUDO […] § Reflexão para saber aver-se em alguma coisa v.g.,, faço estudo de agradar-lhe ,, todo o seu estudo he como enriquecer. § Cuidado, e applicação em qualquer coisa.
Ou seja, estudo é aqui a aplicação das faculdades intelectuais para lidar com um situação (“aver-se em alguma coisa”) ou conseguir algo, como agradar a alguém ou enriquecer. No nosso caso, é a aplicação das faculdades intelectuais para fingir (primeiro poema), e para iludir o poeta (segundo poema). O que o Morais Silva escreve a seguir, “cuidado e aplicação em qualquer coisa”, é praticamente o mesmo. E isso já se encontra nos dicionários atuais, que também dizem que estudo pode significar ‘dissimulação’, que também se aplica aos presentes exemplos, dado que o objetivo é “fingir” e “iludir”. Encontram estas aceções no
[Michaelis (7 e 9)], e eu cito o Houaiss (Lisboa, 2002):
estudo […] 8 fig. cuidado, atenção especial <emprega estudo em agradar> 9 fig. dissimulação, disfarce, maneira afetada de fazer ir dizer algo.
Estudo, na sua aceção mais geral, é aplicação das faculdades intelectuais para aprender algo. Nestas aceções é aplicar as faculdades intelectuais para conseguir algo; agir de forma estudada, em vez de agir espontaneamente.
O significado do verso fica mais claro se o virmos em contexto. O primeiro é do soneto Liberdade de Bocage. O verso pode ser parafraseado em, “por temor, tem cuidado, atenção especial em fingir”. Na verdade, usando as palavras originais, mas numa ordem mais normal, já se compreende melhor (mas deixa de rimar), “por temor, empenha estudo em fingir”:
Liberdade, onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nós não caia?
Porque (triste de mim!) porque não raia
Já na esfera de Lísia a tua aurora?
Da santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo que desmaia.
Oh! Venha... Oh! Venha, e trémulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!
Eia! Acode ao mortal, que, frio e mudo,
Oculta o pátrio amor, torce a vontade,
E em fingir, por temor, empenha estudo.
Movam nossos grilhões tua piedade;
Nosso númen tu és, e glória, e tudo,
Mãe do génio e prazer, oh Liberdade!
O segundo, quase que desistia de o achar, mas lá o encontrei nestas Composições Poeticas offerecidas ao Serenissimo Senhor Dom Joaõ por Curvo Semedo (Lisboa, 1803, p. 39). Reproduzo-o abaixo. O poeta fala de uma Ilvia (ou será Ílvia) impostora e traidora que tenta reconquistar o amor dele, e acusa-a de o tentar iludir a ele, o poeta. Aqui podemos pensar que também há um alteração da ordem normal das palavras para efeito da rima; a ordem mais natural seria “fazes estudo de iludir-me”, ou seja, “fazes reflexão, cuidado especial em tentar iludir-me” (“estudo de iludir-me” pode parecer estranho, mas notem o “estudo de agradar-lhe” do Morais Silva); ou então podemos manter a ordem, e seria “tornas a tentativa de iludir-me em estudo; a tentativa de iludir-me é para ti um estudo”, isto é, reflexão, cuidado especial; comparem com o “todo o seu estudo era como enriquecer” do Morais Silva.

Composições Poeticas offerecidas ao Serenissimo Senhor Dom Joaõ, Principe Regente de Portugal, por Curvo Semedo (Lisboa, 1803, p. 39)