As flores têm a sua beleza, é como toda a gente diz.
A grande diferença é que carro, interesse e cauda dos teu exemplos são concebidos como entidades contáveis, enquanto beleza é concebida como uma entidade não contável. Encontrei este artigo genérico no Ciberdúvidas e há também esta pergunta sobre o assunto.
Entidades contáveis são concebidas como exemplares individuais, que por isso podem ser contados: um carro, dois carros, três carros; um macaco anormal que nasceu com duas caudas; os bancários têm vários interesses—aumento dos salários, condições de trabalho; redução da idade de aposentação, etc; ou então poderíamos pensar em interesses extraprofissionais, como futebol, canto gregoriano e outras coisas pelas quais os bancários se poderão interessar.
Entidades não contáveis poderão sê-lo por várias razões. No teu exemplo, beleza é ‘qualidade daquilo que é belo’, que nós concebemos com se fosse uma entidade única que se manifesta em várias coisas, como flores, paisagens, mulheres, etc. Por isso não vamos dizer, neste sentido de beleza, “duas beleza, várias belezas”, etc. Mas podemos estabelecer graus: alguma beleza, grande beleza, extraordinária beleza,etc. Isto é geralmente válido para outras qualidades:
Os alunos têm imensa paciência para aquele professor (compara com têm perguntas para o professor)
Os árabes são conhecidos pela sua hospitalidade
Outro tipo de entidades não contáveis são as substâncias, como água, ferro, areia; e ainda outras coisas como poesia, música, dinheiro, etc.:
Os trabalhadores dizem que a água da empresa sabe mal e trazem a água deles
Os bancários ganham muito dinheiro
Aqui o que se passa é que, enquanto o meu carro mais o teu carro são dois carros, o meu dinheiro mais o teu dinheiro continua a ser simplesmente dinheiro, não “dois dinheiros”. Do mesmo modo, cada trabalhador traz a sua porção de água, mas várias porções de água continuam a ser simplesmente água.
Frequentemente um substantivo pode referir uma entidade contável num sentido e uma não contável noutro sentido. Compara:
Os bancários têm os seus interesses
Estas casas velhas têm o seu interesse
No segundo exemplo, interesse é ‘qualidade do que é interessante’, e é não contável.
O mesmo se passa com beleza: pode referir não a ‘qualidade do que é belo’ mas ‘algo que é belo’, e esse algo já é contável:
Venho maravilhado com as belezas (coisas belas) do Rio: o Corcovado, Pão de Açúcar, etc., etc.
Nomes não contáveis, como água, vinho, etc., podem também passar a contáveis se referirem variedades. Compara
Temos imenso vinho versus temos três vinhos diferentes: um alentejano, um do Douro, e outro chileno
Isto também funciona com beleza enquanto ‘qualidade’:
Olha a criança e o bisavô: ambos têm beleza, mas são belezas (tipos de beleza) muito diferentes
Portanto não seria disparatado dizer neste sentido “as flores têm as suas belezas”, mas a mim soa-me melhor “cada flor tem a sua beleza” ou “toda a flor tem a sua beleza” (aprendi hoje que no Brasil é “toda flor”…) ou mesmo “todas as flores têm a sua beleza”, em que se subentende que cada uma tem a sua e que são diferentes.