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Por que pronomes oblíquos mudam a sua forma conforme a terminação verbal ?

Claro que experimentar usar apenas uma forma, suponha a forma "o(s) e a(s)", soa estranho uma vez acostumado com as demais formas em cada um dos respectivos casos. Mas continuaria a ser estranho ou haveria algum prejuízo na comunicação ou escrita se fosse apenas uma forma ? Há algum prejuízo fonético ?

Regras das formas:

  • Terminado com som nasal (ão, m, ...): no(s), na(s)
  • Terminado com r, s e z: lo(s), la(s)
  • Demais: o(s), a(s)

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O pronome objeto clítico (ou pronome oblíquo átono) da terceira pessoa é alomorfo (isto é, é um morfema com várias representações fonéticas) por dois motivos:

  • Porque esses pronomes são clíticos;
  • E porque a língua portuguesa passou por certas alterações fonéticas durante sua evolução.

Clíticos

Um clítico é uma palavra que é morfologicamente independente, porém foneticamente ligada a outra palavra. Por exemplo, a expressão "amá-la" contém, morfologicamente, duas palavras (amar e la), mas contém foneticamente apenas uma ("amála").

Isso é notável em outras línguas de origem latina, onde o verbo e o pronome objeto são de fato escritos como uma única palavra sem hifenização (sem serem separados por hífen). Essa mesma expressão "amá-la", em espanhol e italiano é "amarla".

Lenição intervocálica

A lenição intervocálica foi uma alteração fonética que ocorreu nos contextos /ala, ela, elo .../ ou qualquer combinação de duas vogais separadas por "L" (exceto quando essas vogais forem ao mesmo tempo /u/ ou /i/).

Nesses contextos, a consoante /l/ foi eliminada, e as duas vogais, que antes eram separadas pela consoante, passaram a ser unidas. Veja alguns exemplos (do latim vulgar ibérico para o português antigo e para o português moderno):

  • "palo" > "pao" > "pau"
  • "polo" > "poo" > "pó"
  • "volar" > "voar"

Essa lenição atingiu as palavras formadas por verbo+pronome clítico (pois, como disse, verbos e pronomes clíticos formam, fonologicamente, uma palavra só).

Veja, por exemplo, a expressão "ame-a" (em espanhol "ámela"), que, no latim vulgar tardio, era, assim como no espanhol, "ámela" (ame+la). Devido à lenição intervocálica, o "ámela" perdeu o "L" e virou "ámea" (ou "ame-a", já que a ortografia moderna separa pronomes clíticos por hífen).

Assimilação lateral e degeminação

A assimilação lateral foi uma alteração fonética que ocorreu em /arla, esla, izlo, .../ e qualquer combinação de duas vogais separadas por "RL, SL, ZL".

Nesses contextos, o som /rl/ transformou-se em /ll/ devido à assimilação, ou seja, o "R" assimilou-se em "L". Não conheço muitos exemplos de assimilação, mas um bem famoso é o da palavra latina vulgar "perlo", formado pela união da preposição "per" e do pronome "lo", que tornou-se a palavra "pello" por assimilação.

A consoante geminada (ou dupla) /ll/ não sofreu lenição (diferente da forma simples não geminada /l/, que tratei na seção anterior), porém foi degeminada (isto é, os dois "L"-s combinaram-se num só /l/). Veja alguns exemplos:

  • "elle" > "ele"
  • "collo" > "colo"
  • "bolla" > "bola"
  • "bella" > "bela"
  • "perla" > "pella" > "pela" (assimilação seguida de degeminação /rl > ll > l/

No caso dos pronomes clíticos aconteceu a assimilação seguida de degeminação. Por exemplo, a expressão "amá-la" (em espanhol "amarla"), que, no latim vulgar, era "amarla" (amar+la). Devido à assimilação, o "amárla" virou "amálla", que virou "amála" pela degeminação. E como a ortografia portuguesa separa pronomes clíticos por hífen, hoje temos "amá-la".

O caso nasal

No caso de flexões verbais terminadas em som nasal, não consegui encontrar fontes fiáveis explicando o caso específico do desenvolvimento de "amenla" para "amem-na". Mas vou deixar aqui minhas opiniões das causas possíveis (editarei essa resposta quando achar algo relevante, mas essas duas opções são bastante plausíveis dado o sistema evolutivo do português):

  • Pode ter sido a lenição intervocálica do /-l-/ seguido da fortição do /-n-/.
    (ou seja: /amenla > amẽa > amena/).
  • Ou a assimilação de /-nl-/ em /nn/ seguido da degeminação.
    (ou seja: /amenla > amenna > amena/).

Resumindo

-o(as):
"Ame-la > ame-a" (/'a.me.la > 'a.me.a/), pela lenição intervocálica. Compare com o espanhol "ámela", que não sofreu lenição.

-lo(as):
"Amar-la > amal-la > amá-la" (/a'mar.la > a'mal.la > a'ma.la/), pela assimilação do "R" em "L", seguida pela degeminação dessa consoante. Compare com o espanhol e italiano "amarla", que não sofreu assimilação (e, consequentemente, nem degeminação).

-no(as), evolução 1:
"Amen-la > amen-a > amem-na" (/'a.men.la > 'a.mẽ.a > 'a.mẽ.na/), pela lenição do "L", seguida pela fortição do "N".
Compare com o espanhol "ámenla".

-no(as), evolução 2:
"Amen-la > amen-na > amem-na" (/'a.men.la > 'a.mẽn.na > 'a.mẽ.na/), pela assimilação do "L" em "N", seguida pela degeminação dessa consoante. Compare com o espanhol "ámenla".

Eu não sei porque a ortografia portuguesa separa o pronome clítico do verbo por hífen, enquanto que na ortografia do espanhol e do italiano isso não ocorre. Não entendo muito da evolução ortográfica (mas creio que essa dúvida valha uma outra pergunta aqui no site).

O livro Portuguese: A linguistic Introduction, que uso como referência, explica a evolução fonética do português, porém apenas cita, sem discutir, o caso do clítico nasal.

Terminologia

Lenição: Alteração fonética em que um som se enfraquece, fazendo com que, dentre outras coisas, consoantes desapareçam ou tornem-se vogais ou características suprafonéticas (como a nasalização).

Fortição: Alteração fonética em que um som se fortalece, fazendo com que, dentre outras coisas, características suprafonéticas (como a nasalização) ou vogais tornem-se consoantes.

Assimilação: Alteração fonética em que um som torna-se parecido ou igual a um som adjacente.

Geminação: Alteração fonética em que uma consoante torna-se geminada, ou dupla/longa. O latim possuía consoantes geminadas, mas o português não possui. Porém há reflexos da geminação latina no português, como em "assa" vs. "asa"; "morro" vs. "moro"; "-ão" vs. "ano" etc.

Degeminação: Alteração fonética em que uma consoante geminada torna-se simples. Todas as consoantes geminadas do latim foram degeminadas no português.

Clítico: Palavra que é morfologicamente independente mas é fonologicamente parte de uma palavra maior, com a qual é pronunciada e sofre as evoluções fonéticas como se fossem uma única palavra.

Alomorfia: Condição em que um morfema possui mais de uma realização fonética. Cada realização é chamada de alomorfo (por exemplo, "-o, -no, -lo" são três alomorfos de um mesmo morfema).

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  • Muito interessante. Eu já vi em textos antigos ena, eno por na, no. Creio que isto seria um exemplo da possibilidade "amẽa > amena" que avançaste, não? "Em a" : /ẽ a/ > /na/
    – Jacinto
    Commented Sep 18, 2017 at 17:56
  • Foi nas Cantigas de Santa Maria, sXIII: Ena Gran Bretanna foi hũa sazon
    – Jacinto
    Commented Sep 18, 2017 at 18:03
  • 1
    @Jacinto. Isso pode ter sido também a assimilação de L com N, na contração da preposição en com o proto-artigo la (/enla > enna > ena > na/). Da mesma forma que a contração pela veio da assimilação de per com o proto-artigo la (/perla > pella > pela/)". O que você propõe é que a contração "na" viria da preposição moderna com o artigo também moderno a (/ẽa > ena > na/). Mas não creio que seja esse o caso, imagino que ambas as contrações se desenvolveram simultaneamente antes, durante a "pré-história" da língua português (quando a ainda era la).
    – Seninha
    Commented Sep 18, 2017 at 22:15
  • Ainda assim, não imagino o que teria ocasionado a deleção do /e/ em /ena > na/. Mas a vogal deletada já era curta e também foi deletada nas contrações das outras línguas (vide o italiano "nel < in+il").
    – Seninha
    Commented Sep 18, 2017 at 22:19
  • Sim, é verdade. Modernamente, sXIX, encontramos também coisas com não na faz por não a faz. Ou isto já vem do protoportuguês ou então só mesmo por fortição, não?
    – Jacinto
    Commented Sep 19, 2017 at 9:27
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Os pronomes eram originalmente lo, la, los e las, mas o L deixou de se pronunciar entre duas vogais.

Nas formas que terminavam em r, s e z, havia assimilação destas consoantes ao l do pronome.

Por outro lado, as que terminavam em som nasal, era o o l do pronome que assimilava num n.

Fonte.

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