Além do significado encontrado na maioria dos dicionários para cara:
cara, s.f: face, rosto.
Qual é a origem de cara usada para se referir a alguém?
Cara, você não vai acreditar!
Você está em boa forma, cara.
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Sign up to join this communityAlém do significado encontrado na maioria dos dicionários para cara:
cara, s.f: face, rosto.
Qual é a origem de cara usada para se referir a alguém?
Cara, você não vai acreditar!
Você está em boa forma, cara.
Os vários dicionários que consultei incluem essa aceção de cara (’indivíduo’) juntamente com cara ’rosto’, que vem do grego kara, ou latim cara, ou grego via latim (Houaiss, Infopédia, Michaelis, Aulete). Isto sugere implicitamente que cara ’indivíduo’ evoluiu de cara ’rosto’. Uma possibilidade que me parece plausível é que esse cara venha de expressões tipo cara “(de) qualquer coisa”, tal como cara linda, cara estanhada, cara de pau, etc. Há dois usos destas expressões—como vocativo e para referir um indivíduo—que têm grandes semelhanças com os usos de cara ’indíviduo’ e que parecem ser mais antigos. Comparemos os dois usos. Os exemplos que apresento são reais e dos mais antigos que encontrei:
Cara sem mais nada para referir um indivíduo só encontrei a partir de 1911, e apenas no Brasil (negrito meu, itálico e restante grafia originais):
Esses caras o que pretendem é tambem uma passagem para a Orópa.
“Nas zonas”, O Rio Nu, Rio de Janeiro, 29 de abril de 1911.— Ó Lupercio, quem é “aquelle cara”?
“Scena de pugilato”, Correio Paulistano, São Paulo, 27 de julho de 1915.
Cara de qualquer coisa para o mesmo efeito é mais antigo e é comum tanto no Brasil como em Portugal:
Pois acredita esse cara de vergalho, que a sua interesseira intimidade com a fera do Areal lhe dá o privilegio exclusivo de insultar […]
“Satisfacção ao cavaco do Papeleta”, O Papeleta, Rio de Janeiro, 5 de abril de 1843, p. 2.[...] queria só pedir-vos um emprego para este cara amarella vosso compatriota.
“Partir para ser bispo e acabar sineiro”, A Epoca, nº 42, Lisboa, 1849, p. 1.[…] os pretos cangueiros paravam para “mirar o cara-nova” [um desconhecido recém-chegado].
Aluísio Azevedo, O Mulato, publicado originalmente em 1881.
O último exemplo é particularmente interessante: “o cara-nova” é o mesmo que o novo cara, mas cara só por si é ’rosto’ num caso e ’indivíduo’ no outro.
Cara sem mais dada como vocativo só encontrei a partir de 1972 e, novamente, apenas no Brasil:
— Por que vocês não levam o rapaz doente para um hospital?
— Não dá pé, cara. […] Sem essa, cara! Você acha que eu vou deixar […]
— Mas po que você não vai para casa se tratar?
— É cara, corta essa. […]
— Onde vocês moram?
— Não tem lugar certo não, cara.
“O caminho fácil do vício”, O Jornal, Rio de Janeiro, 5-11-1972
Este exemplo de 1976 sugere que este uso era ainda pouco aceite em certos meios:
[…] José Wilker, que já poluiu o ambiente sonoro com a repetição sistemática do termo "cara": “é sério, cara”; “Até logo, cara”.
Visão, vol. 48, n. 1-13, 1976.
Cara de qualquer coisa como vocativo é comum no Brasil e em Portugal, e já era usado no século XVII:
—Olhe sô-cara de asno [“senhor cara de asno”], não leve um carolo.
D. Francisco Manuel de Mello (1608-66), Feira dos Anexins, publicado postumamente em 1875.Diga-me, meu cara de inhame insuado, porque é que maltrata assim quem nunca lhe fez mal?
Tristão de Alencar Araripe Júnior, Luzinha: romance de costumes cearences, Rio de Janeiro, 1878.Atreve-te meu cara de demonio, que já tens mesmo cara de condemnado!
Bento Moreno, Comedia do campo: scenas do Minho, Lisboa, 1877.
Uma diferença entre os usos de cara “sem mais nada” e cara “de qualquer coisa” é que este último é quase sempre provocador ou insultuoso. Mas é comum amigos usarem termos provocativos para se dirigirem uns aos outros, além de que caindo o “de qualquer coisa” o insulto também desaparece. E segundo o Michalis e o Aulete o uso de cara “sem mais nada” também pode ser provocador ou impolido.
Pode ainda ter origem celta: cara, em irlandês, e caraid, em gaélico, significam ’amigo’. Logo, ao dizer: "Nossa, cara, que coisa", você estaria dizendo "Nossa, amigo, que coisa".
Em Portugal, contudo, essa gíria não existe. Poderia ser um arcaísmo brasileiro, tendo desaparecido em Portugal. Mas então esse uso teria que ser atestado antes da década de 60 no Brasil e em tempos pretéritos, em Portugal.
Segundo a Revista Decifra-me (2011), tem origem na década de 60 durante a jovem guarda (negrito meu):
GÍRIAS: NA BOCA DOS JOVENS E ADULTOS
[...]
ANOS 60
aldeia global (nosso mundo), bacana (bom, bonito), boa pinta (de boa aparência), boazuda (mulher bonita), bolinha (estimulante), cafona (feio), calhambeque (carro velho), cara (indivíduo), carango (carro), certinha (mulher bonita), chapa (amigo), dar tábua (recusar-se a dançar), duca (ótimo), é fogo! (é difícil), é uma brasa, mora! (é espevitada, danada esticada (passar por vários restaurantes e bares noturnos),fossa (depressão, crise existencial),gamar (namorar), gata (mulher bonita), grana (dinheiro), jovem guarda (movimento artístico musical), legal! (ótimo!),mancar (desrespeitar compromisso), minissaia (saia curta), paca (muito), pão (homem bonito), papo firme (conversa séria), papo furado (conversa boba), pé de chinelo (pessoa sem expressão), pelego (líder sindical governista), pode vir quente que estou fervendo (excitada), pra frente (moderno), quadrado (conservador), sifo (deu-se mal), sifu (deu-se mal), tremendão (rapaz bonito), uma brasa, mora (bom, ótimo!), ziriguidum (samba no pé, molejo de mulata).
A palavra χαρακτήρ (transliterado: kharactér ou charactér) tem tudo a ver com "cara" se considerarmos seu significado original no Grego. Dentre os significados encontram-se: marca; representação; face; fisionomia; personagem; papel; indivíduo; semelhante; pessoa mencionada anteriormente. A palavra χαράσσω (kharássõ ou charásso)), diretamente atrelada a χαρακτήρ significa imprimir ou carimbar. Em sentido metafórico pode incluir uma pessoa marcante ou um líder.
Em todos estes significados a palavra "cara" se enquadra:
A redução de uma palavra é comum na evolução diacrônica das palavras e geralmente emerge na linguagem coloquial. Parece-me que se trata de uma especialização seguida de metaplasmos de supressão e perda (apócope), em que χαρακτήρ assumiu, do Grego até o Português, formas distintas para ressaltar significados distintos. Origem mais provável para a palavra "cara", seja na dinâmica da linguagem, seja no conteúdo semântico.
Já de muito tempo moedas são cunhadas (χαράσσω) com a fisionomia de autoridades contendo a inscrição do nome. Creio ser essa a associação mais antiga. Segue uma moeda de prata contendo a imagem de .
No Brasil uma revista focada em pessoas ricas e famosas de nome "Caras" ganhou força em 1993, a cara da classe alta da sociedade. Por outro lado, até na astronomia, a segunda estrela mais brilhante da constelação Canes Venatici recebeu o nome "Chara", termo oriundo de Χαρά (transliterado: khará ou chará), que significa alegria, brilho, graça e αστέρας (transliterado: astéras), que significa astro ou celebridade. Em sentido abstrato, os aspectos semânticos são os mesmos.
Os termo "cara" é muito usado no Brasil, assim como "chará", que se refere a uma outra pessoa com o mesmo nome, semelhante, ou ainda alguém com quem se tenha uma forte relação confiança ou empatia. Quanto à passagem do Grego para o Português, a menos do alfabeto, a palavra nem sempre precisa passar pelo Latim. Muitas delas são simples transliterações, geralmente a partir do Grego Koiné ou Ático.
Obs.: A transliteração dupla refere-se ao Grego Koiné seguido do Grego Moderno.
Referências:
Provavelmente da palavra indígena “cara” [com acento na pronúncia no segundo a - car(á)], a qual significa senhor.
As variantes são:
Senhora: Cunhatã
Senhorita: Cunhataí
Senhorito: Caraí
Vem do tupi "Caraíba", homem branco, extrangeiro.