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Briba, no dialeto cearense, significa lagartixa. Qual a origem dessa palavra? Há alguma relação com a etimologia das palavras homónimas francesa/inglesa "bribe" (suborno) e espanhola "briba" (malintenção, vagabundagem)?

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  • O Aulete diz que é um sinónimo popular de víbora. É sobre essa palavra que perguntas? Ou sobre uma homónima?
    – ANeves
    May 22, 2017 at 12:56
  • 1
    @Seninha - Tenho uma amiga piauiense que chama lagartixa de "víbora". Não sei se "briba" é uma corruptela de "víbora", mas não é impossível (víbora -> vibra -> bibra -> briba). May 23, 2017 at 0:09
  • 1
    @Luís e Seninha: bíbora e bíbera eram formas correntes e, parece-me, predominantes, nos séculos XV e XVI. O Camões escreveu bibora. Outras palavras que aparecem com b em vez de v no nordestino popular (barrer, bassoura) é também com b que aparecem num dicionário do século XVI. Acrescentei à resposta.
    – Jacinto
    May 30, 2017 at 11:46
  • Descobri que a "briba" do Espanhol (malintenção/vagabundagem) vem de "bribia" (arte de enganar com bajulações), que por sua vez veio de "biblia" (bíblia). Coincidentemente, por aqui também é comum na língua vulgar chamar bíblia de briba.
    – Seninha
    Nov 21, 2017 at 16:28

1 Answer 1

4

O dicionário Houaiss (Lisboa, 2003) diz que briba é provavelmente uma modificação popular de víbora, e Mário Marroquim em A Língua do Nordeste, (1934) convence-me que foi isso mesmo que aconteceu. Ou melhor, foi provavelmente modificação popular de bíbora ou bíbera, que eram formas correntes e cultas nos séculos XV e XVI. Dou pormenores mais abaixo. Mas primeiro, víbora designa no seu sentido primário, como todos sabem, várias espécies de cobra; mas designa também segundo o Houaiss várias espécies de lagartos do nordeste do Brasil, sendo neste sentido o mesmo que briba. Transcrevo o Houaiss:

briba s. f. (1913 cf. CF2) 1 HERP design. comum às lagartixas do gén. Briba, representadas no Brasil por uma única sp. (Briba brasiliana), que ocorre do Piauí a Minas Gerais 2 HERP design. comum a algumas spp. de lagartos da fam. dos cincídeos, e dos anguídeos, que ocorrem no Nordeste do Brasil, de corpo alongado e membros reduzidos; víbora 3 B infrm aguardente de cana; cachaça ʘ ETIM lat. cien. gén. Briba, prov. corruptela de víbora

Briba passou a latim científico em 1935, quando o herpetólogo brasileiro Alfrânio Amaral descobriu um nova espécie de lagarto e a batizou de briba brasiliana (Wikipédia). A palavra briba já então existia, e Mário Marroquim em A Língua do Nordeste (Brasiliana, série V, vol. XXV, 1934) diz explicitamente que bibra é uma modificação popular nordestina de víbora. Mas mais: ele identifica, entre os muitos fenómenos linguísticos do Nordeste, três que, juntando-os eu, possibilitam a transformação de víbora em briba; a ordem por que apresento os fenómenos é arbitrária, ele não diz que isto tenha acontecido por qualquer ordem em particular:

  • víbora > bíborav inicial passa a b; aqui vou citar (p. 77; grafia original, negrito meu):

    Algumas palavras têm o v inicial trocado por b. A mudança, aliás, vem da formação da lingua: vesicam > bexiga, vagiram > bainha, votum > bôdo. Dizem os matutos: barrer, bassôra béspa ou bespra, berruga, briba, por varrer, vassoura, vespera, verruga, vibora.

  • bíbora > bibra—supressão em palavras esdrúxulas da vogal a seguir à tónica (p. 43-44); ele dá como exemplos precisamente o par víbora – briba e ainda véspera – bespra ou bespa (também aqui o v passa a b), Cícero – Cirço (também aqui o r muda de sílaba) e ainda outros;

  • bibra > briba—mudança do r de sílaba (p. 97); ele dá como exemplos largatixa, bicabornato e ainda ciloura, trigue e triato, que eu imagino que seja ceroula, tigre e teatro. Estes saltos dos rr não é exclusivo do falar popular do Nordeste: bicabornato é tão comum em Portugal que eu fiquei uns momentos a olhar para a palavra até ver o que se passava com ela (é, obviamente, bicarbonato); e encontramos cangrejo em vez de caranguejo no Dicionarium Latino Lusitanicum & vice versa de Jerónimo Cardoso de 1570; o Vocabulário Português e Latino de Raphael Bluteau de 1712, ainda traz Caranguejo, ou cangrejo.

Bíbora ou bíbera poderá muito bem ter sido a palavra que os primeiros colonos trouxeram de Portugal. Estas eram, a julgar pelo Corpus do Português e o Google Books, as formas mais correntes nos séculos XV e XVI. O Camões escrevia “bibora” (aqui e aqui). Aliás aparecem na letra b do Dicionarium Latino Lusitanicum & vice versa de Jerónimo Cardoso de 1570 sete palavras que hoje escrevemos com v. Coincidência ou talvez não, cinco dessa palavras correspondem precisamente aos exemplos apresentados na Língua do Nordeste: barrer (mais barredor e barredeira), barruga (‘verruga’), basoura (‘vassoura’) béspera e bibora. As outras duas são bitualha e bousear (‘vozear’). Destas, apenas vitualha e víbora aparecem também na letra v.

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  • Hmm. Então não tem relação com a palavra "briba"/"bribe" dos outros idiomas, como eu achava que tivesse.
    – Seninha
    May 22, 2017 at 16:33
  • 3
    @Seninha, não encontrei qualquer autor que avançasse essa hipótese, e encontro outros, além dos que citei, que associam briba a víbora. No norte do Portugal era comum substituir o [v] por [b] na fala (dizia-se por lá, e ainda há quem diga, barrer e bassoura); pergunto-em se esses bb na fala dos matutos teria sido influência da imigração de Portugal (o grosso foi do norte).
    – Jacinto
    May 22, 2017 at 18:13
  • 2
    @Seninha, descobri a "revista brasiliana", que afinal é um livro e não revista. É muito interessante. Incluí mais material na resposta; tou agora convencido que briba vem mesmo de víbora. Segundo o que o autor diz, muita coisa do falar do Nordeste, de 1934, como possivelmente o b por v, era simplesmente português popular quinhentista que os primeiros colonos trouxeram de Portugal e se manteve inalterado. E muitas coisas que por lá se dizia, como home por homem ou tamém por também, eu ouvi em criança aos meus pais e avós, a 50km a norte de Lisboa!
    – Jacinto
    May 22, 2017 at 23:00
  • 1
    Reparei que este dialeto tem uma rejeição muito grande a proparoxítonas e faz reduções severas neles: víbora > vibra/bibra/briba, árvore > arvre/arbre, número > numro. fôlego > folgo/fogo, abóbora > abobra/abroba, agência > agença. Só as que terminam em "-iCo/-iCa" (onde C é uma consoante) se salvam: ótica, ânimo, ótimo, hábito, mérito... As outras proparoxítonas também aparecem transformadas nestas para se readequarem: fôlego > fôligo, número > númiro, fenômeno > fenômino...
    – Seninha
    Sep 26, 2018 at 15:27
  • 2
    @Seninha, pois o Mário Marroquim também refere essa supressão da vogal na sílaba seguinte à tónica em palavras proparoxítonas. Em todos os teus exemplos e os exemplos que eu citei dele, o encontro consonantal resultante é sempre dos tradicionais na língua (br, lg); bem o mr não é. Na aldeia onde eu cresci, 50km a norte de Lisboa, também se dizia arve por árvore e numro por número; e agora coisas dessas ouvem-se mesmo na fala norma padrão, por via do cancelamento do e átono (mais raramente do o) em muitas palavras.
    – Jacinto
    Sep 30, 2018 at 20:58

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