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Em Portugal o o átono é normalmente pronunciado /u/, não só no fim de palavra como acontece também no Brasil e em África, mas também noutras posições. Por exemplo poroso é pronunciado /pu’ɾozu/, e fonológico é /funu’lɔʒiku/. No entanto isto parece nunca acontecer quando o o é a primeira letra da palavra, onde o o é aberto mesmo quando átono. Comparemos (links à Infopédia com transcrição fonética e ao Forvo com reprodução audio):

(o) coração e oração/kuɾɐ’sɐ̃w/ mas /ɔɾɐ’sɐ̃w/

provação e ovação—/pɾuvɐ’sɐ̃w/ mas /ɔvɐ’sɐ̃w/

cobrar e obrar—[/ku’bɾaɾ/] mas /ɔ’bɾaɾ/

rodeio e odeio—/ɾu’dɐju/ mas /ɔ’dɐju/ ou /o’dɐju/

Já agora, para tentar ser completo, creio que no Brasil os oo assinalados são sempre fechados (/o/); enquanto em África, segundo o modelo experimental do Portal da Língua Portuguesa é /o/ como no Brasil quando antecedido de consoante, (coração, etc.), mas tende a ser aberto como em Portugal quando começa a palavra.

Já no exemplo seguinte, com duas palavras com a mesma raiz, parece que um fenómeno semelhante acontece também no Brasil, o que provavelmente tem que ver só com a pronúncia de dois oo seguidos:

cooperação e operaçãoB /kwupeɾɐ’sɐ̃w/, P /kwupɨɾɐ’sɐ̃w/ mas B /opeɾɐ’sɐ̃w/, P /ɔpɨɾɐ’sɐ̃w/

Isto em Portugal será assim só porque é, um mero acidente na evolução da língua, ou há alguma explicação fonológica para o o em início da palavra resistir à redução em /u/ que acontece quando antecedido de consoante?

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  • 1
    Nos primeiros exemplos, eu pronuncio todos os "oo" da mesma forma. No segundo exemplo (cooperação e operação) também pronuncio os dois da mesma forma. Por vezes acho que eu pronuncio os dois "o", da mesma forma que pronuncio os "ee" em compreender.
    – Centaurus
    Dec 18, 2016 at 17:05
  • Eu escutei alguns brasileiros no forvo: uns dizem /wu/ cooperação e cooperativa; outro diz /oo/ em coordenação. É capaz de coexistirem pronúncias diferentes?
    – Jacinto
    Dec 18, 2016 at 17:13
  • Com certeza....
    – Centaurus
    Dec 18, 2016 at 17:16
  • @Jacinto Sim. Um brasileiro com esta pronúncia seria prejulgado como alguém com baixo nível de educação formal, ao menos na minha região. Mas, ainda assim, ela existe, e é comum.
    – Ramon Melo
    Dec 18, 2016 at 20:54
  • 1
    @RamonMelo O pior é que eu normalmente nem sei como pronuncio as palavras. Só falando para saber, e só faço isso quando alguém faz alguma observação, quando ouço pronuncias bem diferentes ou quando entro aqui no site. Eu acho que pronuncio "Eu voo para Paris amanhã" e "Eu vou para Paris amanhã" de formas diferentes. Informalmente eu tendo a pronunciar "Eu 'vô' (vou) pra Paris"
    – Centaurus
    Dec 18, 2016 at 21:15

1 Answer 1

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Para começar, é bem estudado o fenômeno pelo qual as consoantes soantes na coda silábica impedem a redução da vogal precedente em casos nos quais deveria acontecer; isto é, não acontece redução (de /o/ para [u], de /e/ para [ɨ]) quando a vogal não acentuada é seguida por nasal, /l/, /r/ ou semivogal.

Um paper (A Estrutura da Sílaba em Português Europeu) apresenta a hipótese de que a sílaba normal em português deve ter sempre um ataque (onset), isto é, começar em consoante. As vogais iniciais são anômalas e portanto o processo de redução não acontece nesses casos, mesmo que não sejam seguidas por uma sonorante.

O livro The Prosodic Word in European Portuguese comenta e rejeita essa hipótese. Estudando as vogais iniciais em português européu a autora demostra que a redução é sempre menor nelas (ainda que existam variações entre falantes e entre dialetos) e atribui isso a um "fortalecimento da posição inicial, que pode ser visto como uma propriedade da prosódia". Traduzindo:

Por contraste, a hipótese de que a redução das vogais não é tão extrema inicialmente quanto no interior da palavra porque esta posição é prosódicamente forte (…) é consistente com outros fenômenos fonológicos que caraterizam esta posição e que podem ser relacionados com sua força: por example, fortalecimento do /ɾ/, acentuação inicial e asignação do acento enfático (…). Além disso tem pelo menos outro caso no qual as vogais não acentuadas em uma posição específica da palavra prosódica não ficam sujeitas a redução: quando as vogais ocorrem em sílabas fechadas por uma consoante sonorante na posição de fim de palavra prosódica.

O livro tem também alguns exemplos onde uma vogal não acentuada, em uma sílaba aberta e sem ataque, mas não inicial, é reduzida normalmente, o qual discorda com a primeira hipótese.

Porém acho que existem algumas diferenças entre o que os dois estudos consideram redução e onde encontram que a redução é bloqueada pelas sonorantes. Segundo o primeiro, aparentemente, pronunciar o e inicial de elefante como [i] não é redução (ou não é uma redução completa), ja que nessa posição o som /e/ deveria se reduzir a [ɨ]. (As fontes que eu consultei dizem que as vogais não acentuadas em pt-pt sempre reduzem-se a [ɨ], [u] ou [ɐ].)

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  • É possível que exista com o e inicial um fenómeno paralelo ao do o. Por exemplo,o primeiro e é [ɨ] em relevar, mas [i] em elevar. Por sonorante quererás dizer sonora (voiced em inglês)?
    – Jacinto
    Jan 15, 2017 at 11:02
  • Em Portugal existe redução do o átono para [u] e e átono para [ɨ] mesmo se a sílaba terminar em r, como em cortar, porcaria, permanente, acertar. Creio que isto é o padrão e não a exceção. Isto não acontece é na última sílaba , mas há poucas palavras com esse padrão (caráter, cárter).
    – Jacinto
    Jan 15, 2017 at 11:17
  • @Jacinto Não, por sonorante eu quero dizer soante. (Achei que "sonorante" era correto em pt mas parece que a palavra aceitada é "soante".) Básicamente são as líquidas, nasais e semivogais.
    – pablodf76
    Jan 15, 2017 at 13:48

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