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Quando queremos dizer que uma ação, como fazer o jantar ou visitar a Maria, acontece no futuro, usamos o verbo ir com o verbo da ação do infinitivo. Exemplos:

(a) Vou fazer o jantar

(b) Vou visitar a Maria

Já temos sobre este assunto esta pergunta sobre eu farei e eu vou fazer. Se o verbo da ação já for o ir, por exemplo, ir aos Jogos Olímpicos, por analogia ficaria:

(c) Eu vou ir aos Jogos Olímpicos em 2020

Já há esta pergunta sobre se eu vou ir é correto. Mas pelo menos em Setúbal e com o pessoal que conheço, ninguém diz isto. Dizemos simplesmente:

(d) Eu vou aos Jogos Olímpicos em 2020

O verbo ir parece ser mesmo a única excepção quando queremos dar a ideia que o acontecimento será no futuro: aqui em Setúbal, conjugamos apenas o verbo ir no presente, sem mais nenhum verbo no infinitivo, ao contrário dos exemplos (a) a (c).

As outras perguntas não esclarecem se frases como a (d) estão corretas. Será que simplesmente dizer eu vou (para indicar que irei, no futuro) está incorreto? Ou existe uma simplificação aprovada para o verbo ir?

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    – Jorge B.
    Nov 18, 2016 at 9:04
  • Eu como nativa em PT-BR, acredito que dizer "Eu vou" é comum e informal, não sei dizer se é gramaticalmente correto; e dizer "Eu irei" não é comum e é formal, creio que é gramaticalmente correto. (sou do interior de SP).
    – sola.carol
    Nov 21, 2016 at 9:38

4 Answers 4

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O simples presente do indicativo vou, vais, etc. para exprimir uma ida futura é absolutamente correto e é até muito mais comum que vou ir, vais ir, etc. O verbo ir é de facto excecional, mas não por ser o único, que não é, em que se usa o presente para referir o futuro; nós fazemos isso com qualquer verbo. Esta prática está aliás reconhecida na Nova Gramática do Português Contemporâneo de Celso Cunha e Lindley Cintra (Lisboa, 2014, p. 560-2):

O presente do indicativo emprega-se:
[…]
5.º) para marcar um facto futuro, mas próximo; caso em que, para impedir qualquer ambiguidade, se faz acompanhar geralmente de um adjunto adverbial:

Vou para Coimbra.
(José Saramago, [Memorial do convento, 1982], 124.)

Amanhã mesmo vou para Belo Horizonte e lá pego o avião do Rio.
(António Callado, [A madona do cedro, 1981], 19.)

Outro dia eu volto, talvez depois de amanhã, ou na primavera.
(Agustina Bessa-Luís, [As relações humanas: Os quatro rios], 227.)

Agora, com quase todos verbos, creio, para exprimir o futuro nós algumas vezes simplesmente conjugamos o verbo no presente do indicativo, como nos exemplos acima; outras vezes, usamos o chamado ‘futuro próximo’: vou ver, vou comprar, etc. O verbo ir é excecional porque com ele o ‘futuro próximo’ é pouco usado, como ilustram as tabelas abaixo.

Por exemplo, o Google encontra-me aproximadamente tantos amanhã vejo (323 resultados) como amanhã vou ver (276 resultados). Creio que todos os falantes usam as duas formas, escolhendo inconscientemente uma ou outra conforme o que querem transmitir. Já amanhã vou ir é dez vezes menos frequente que amanhã vou (112 contra 1128 resultados; a inclusão do a, ao, etc. exclui vou comer, vou ver, etc., que falseariam a comparação). O que se passa aqui, creio, é que muitos falantes simplesmente não usam vou ir, vais ir, etc. Setúbal não é certamente caso único.

Resultados do Google Search


                                             Ver   Comprar   Fazer  Visitar
Amanhã + 1ª pess. sing. pres. indicativo     323     302      291     124
Amanhã vou + infinitivo                      276     255      279     178

                   a     ao    à    para    pra     Total
Amanhã vou        236   264   231    284    167      1182
Amanha vou ir      16    30    11     25     23       112

Na verdade vou para indicar uma ida futura é ainda mais comum do que os números acima sugerem. Vejamos este exemplo:

Amanhã vou jantar a Azeitão.

À primeira vista pode parecer que vou é verbo auxiliar, um mero marcador do futuro do verbo principal jantar. Mas não é; nem jantar é o verbo principal: nós não podemos dizer janto a Azeitão ou jantarei a Azeitão. (Vejam a pergunta vou buscar uma maçã à cozinha.) O complemento direcional a Azeitão significa que vou é verbo pleno e é o verbo principal da frase; jantar é, na linguagem da Gramática do Português da Gulbenkian (Lisboa, 2013, p. 1264-65), um adjunto adverbial de finalidade. A frase é equivalente a:

Amanhã vou a Azeitão jantar.

O mesmo se passa em frases como:

Logo à tarde vou dar uns mergulhos ao Portinho.
Este fim de semana vamos passear ao Cabo Espichel.
Logo à noite vou ver a superlua a Palmela.
Para o ano vou passar férias ao Brasil.

Ou seja, anda por aí disfarçado de verbo auxiliar muito presente do indicativo do verbo ir como verbo principal no seu sentido pleno de ‘ida’ e nomeadamente de ‘ida futura’.

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  • Muito interessante a tua pesquisa.
    – Jorge B.
    Nov 21, 2016 at 19:52
  • @JorgeB. O que me surpreendeu foi haver tantos foi haver tantos amanhã vejo, faço, etc. por comparação com amanhã vou ver, fazer, etc. Provavelmente usamos sem nos darmos conta. Amanhã vejo-te isso, que hoje não tive tempo, n'é?
    – Jacinto
    Nov 21, 2016 at 19:56
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O uso do presente do indicativo para uma ação que vai se concretizar no futuro é, não apenas gramaticalmente correto, mas também extremamente comum.

O futuro do presente, apesar do seu nome, caiu em desuso em favor do presente do indicativo. Dificilmente ouvimos alguém dizer: “se você fizer a dieta, é certo que emagrecerá”. Mesmo na norma culta do Português moderno, o mais comum é ouvirmos “se você fizer a dieta, é certo que vai emagrecer.” Neste caso o verbo ir funciona como um verbo auxiliar.

Quanto ao uso do presente do indicativo para indicar um evento futuro, sem o auxílio de outro verbo, o ponto principal da pergunta, isso também é muito comum na língua portuguesa e não é exclusividade do verbo ir conforme usado em “Eu vou aos Jogos Olímpicos em 2020.”

Na verdade, o presente do indicativo é, atualmente, um tempo verbal polivalente: joga na defesa, no meio de campo e no ataque. Ou melhor, pode indicar passado, presente ou futuro. Vejam os seguintes exemplos do presente do indicativo sendo usado para indicar uma ação futura:

  • A que horas sai o nosso voo amanhã?
  • Não vou poder ir, estou de folga no dia 23 mas no dia 24 eu trabalho o dia inteiro.
  • Certo, nos encontramos amanhã às 15 h. no Cais da Ribeira.
  • Estou ocupado. Falo com você depois do almoço.
  • Amanhã a gente se reúne novamente e discute esse problema.
  • Podes ficar tranquilo, mando tudo por e-mail na segunda-feira.
  • Se eu acertar a mega-sena do Natal, eu pago todas as tuas contas.
  • Você só sai daqui depois que me contar tudo.
  • Ficou acertado que o Reino Unido deixa a União Européia em março de 2017.

Conforme citei acima, o presente do indicativo também pode ser usado quando nos referimos a eventos passados, principalmente em narrativas e pela mídia. Esta última abusa do seu uso e não mais somos informados de que um avião caiu ou que alguém morreu. Ouvimos, ao invés, a informação dada no presente do indicativo, indicando um evento passado. Vajamos alguns exemplos:

  • Em 1640 Portugal finalmente liberta-se do domínio espanhol.
  • Em 1808 Napoleão decide invadir a Russia e desloca metade de suas forças...
  • Com tantas preocupações, ela simplesmente esquece o encontro e ele fica esperando.
  • Mal eu entro no escritório e já recebo a notícia do falecimento. Isso chama-se “falta de tato”.
  • Avião cai na Ucrânia e deixa 150 mortos.
  • Morre o ator James Gandolfini aos 51 anos.
  • A terra treme na região central da Itália.
  • Trump é eleito o novo presidente dos Estados Unidos.
1
  • É engraçado que eu sempre tive a ideia que se usava mais no Brasil o futuro.
    – Jorge B.
    Nov 21, 2016 at 9:01
2

No português brasileiro é considerado correto usar "eu vou" para indicar uma ação a ser tomada no futuro, por exemplo "eu vou viajar amanhã" ou "eu vou tomar um café".

Porém "eu vou ir" é considerado incorreto, já que é uma redundância: "vou" é flexão do verbo "ir". Ao invés de, por exemplo, dizer "eu vou ir a igreja" basta dizer "eu vou a igreja".

Obviamente o uso de "eu vou" (presente) para indicar ação futura é uma construção popular, mas aceita. A flexão do verbo ir em tempo futuro (irei) não é de uso coloquial.

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  • 1
    E no caso de "tenho tido", também é incorreto por ser redundante? (Pelo menos em Portugal, "tenho tido" é um uso comum e aceite: "tenho tido problemas no trabalho".)
    – ANeves
    Nov 17, 2016 at 16:44
  • 1
    Não é nada incorreto Wander, é gramaticalmente correto o uso de "eu vou ir".
    – Jorge B.
    Nov 17, 2016 at 17:45
  • 1
    Não é que seja gramaticalmente errado, é que ninguém fala: eu vou ir. Eu também não*** custumo***ouvir VOU IR....
    – Lambie
    Nov 17, 2016 at 18:07
  • 1
    @ANeves Uma diferença entre ter tido e ir ir é que o primeiro ter está completamente gramaticalizado, isto é, não conserva nada do significado próprio do verbo pleno ter. O mesmo não se passa em ir visitar, ir comprar, etc., onde frequentemente o ir não é um verdadeiro auxiliar, antes mantém o seu sentido próprio de deslocação. Quando se acrescenta o segundo ir, na minha cabeça, introduz-se uma redundância: os dois verbos dão a mesma ideia de deslocação.
    – Jacinto
    Nov 17, 2016 at 20:35
  • 1
    @Jacinto nem sempre dá ideia de deslocação. "Vou fazer um bolo", "vou cantar", etc não dá sentido de deslocação...
    – Jorge B.
    Nov 18, 2016 at 9:51
-1

Muito boa a pesquisa! Eu não consigo concordar que essa forma verbal esteja correta, principalmente se estiver na forma escrita, que costuma ser mais culta.

Sinto que o idioma inglês trouxe um novo significado para o "vou", como se este fosse uma tradução para "will", mas não é. O uso incorreto do "vou" para expressar tempo futuro cria uma falha quando há a necessidade de expressar o pretérito presente.

No Brasil ninguém mais usa "vou" para tempo presente, sendo a substituição obrigatoriamente com uso do gerúndio. Hoje dizemos: "estou indo ao mercado"; quando seria muito mais simples dizer: "vou ao mercado".

A conjugação de passado também tem sido utilizada expressar futuro. É comum escutarmos apresentadores de telejornais dizerem, antes de um intervalo comercial: "voltamos já", quando querem expressar que "voltarão logo" depois dos comerciais.

Outro erro comum no Brasil é conjugar incorretamente o subjuntivo. Exemplo: usar "pode" quando o correto seria "possa".

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  • "Voltamos" também é a conjugação no presente, que deve ser a intenção do falante.
    – stafusa
    Mar 19, 2022 at 18:39

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