Originalmente a expressão usava-se apenas a propósito de quedas ou mergulhos: cair de ponta-cabeça ou precipitar-se de ponta-cabeça. Isto parece ser uma variante de cair de ponta e cabeça, que também se usa no Brasil, o que por sua vez é um reforço de cair de cabeça, que se usa em todo lado.
Atualmente de ponta-cabeça significa geralmente ‘de pernas para o ar, de cabeça para baixo’. Mas o uso da expressão fora do contexto de quedas é recente: no Google Books aparece apenas a partir de 1979. E dois dicionários dos anos setenta restringem o uso da expressão a quedas:
De ponta-cabeça, head first. [literalmente, ‘cabeça primeiro’; Oswaldo Serpa, Dicionário de Expressões Idiomáticas Português-Inglês, Inglês-Português, 1972.]
de ponta-cabeça que significa “de cabeça para baixo” (falando de queda). [Pequeno dicionário enciclopédico Koogan Larousse*, 1979.]
Nos exemplos mais antigos que encontrei o contexto é sempre queda. O primeiro é de 1923 em Monteiro Lobato (1892-1948), “Era no Paraíso…” em O Macaco que se fez homem (conto completo na Folha de São Paulo, 2008; negrito meu em todas as citações):
Mas Eolo suspirou no seu antro e um forte pé-de-vento deu, que vascolejou com frenesi a árvore e fez o chimpanzé macho, perdido o equilíbrio, precipitar-se de ponta-cabeça ao chão.
Monteiro Lobato emprega ainda a expressão, sempre com o verbo cair — «caíam de ponta cabeça», «caiu duma vez ao chão de ponta cabeça» e «caiu de novo de ponta cabeça» — na sua tradução de Alice no País do Espelho. Não descobri a data, mas o senhor morreu em 1948. E o Boletim Trimestral da Comissão Catarinense de Folclore de 1950 também documenta a expressão e dá como exemplo «ele caiu de ponta-cabeça».
De ponta e cabeça aparece no Google Books com menos frequência, mas usada exatamente do mesmo modo. Os exemplos mais antigos que encontrei foram na obra do escritor brasileiro Paulo Dantas (1922-2007):
Não é aquêle entrar louco, de ponta e cabeça, nos abismos gostosos. [Paulo Dantas, Viadutos, 1968.]
Mergulho de ponta e cabeça nessas favelas [Paulo Dantas, O Lobo do Planalto, 1970.]
Estas expressões aparecem na linguagem oral, e só muito mais tarde aparecem na escrita. Por isso não dou grande relevância a de ponta e cabeça surgir no Google Books só depois de de ponta-cabeça. Portanto vemos que quer de ponta-cabeça quer de ponta e cabeça aparecem primeiro usados simplesmente no sentido de de cabeça. Esta última vem já documentada no Dicionário de Moraes da Silva de 1789 (verbete cabeça; grafia original):
§ De cabeça; i. é, com a cabeça para baixo: v. g. “lançar alguem no rio de cabeça.”
Investiguei uma outra hipótese, mas tive de a abandonar por falta completa de indícios. Os primeiros registos da ponta-cabeça no Google Books ocorrem em zona de imigração italiana: Monteiro Lobato cresceu em Taubaté, São Paulo; e Santa Catarina também recebeu italianos. Como a expressão é desconhecida em Portugal, haveria a possibilidade de ter vindo de Itália. Procurei punta capo no Google, mas não encontrei nada de relevante. Vi em capo neste dicionário muito completo e também em punta, e mais uma vez não encontrei nada. Parece-me portanto que nos resta a hipótese plausível da evolução a partir de (cair, atirar-se) de cabeça.