Varrido neste contexto parece vir de varrido de juízo: como se o juízo se tivesse varrido da cabeça, tal como se diz que se nos varreu algo da memória. Este é o entendimento do dicionarista Raphael Bluteau já há quase trezentos anos (Vocabulário Portuguez e Latino, 1721):
VARRIDO. Limpo com vassoura […]
Doudo varrido. Totalmente doudo, como se disseramos , que se lhe varreo todo o entendimento de sorte , que não tem horas boas, nem lucidos intervallos.
Varrido do juízo é precisamente a expressão mais antiga em que eu consegui encontrar varrido associado a loucura. Aparece em 1593-95, em Primeira visitação do Santo Officio ás partes do Brasil, pelo licenciado Heitor Furtado de Mendoça: Denunciações de Pernambuco, 1593-95; o OCR do Google não é infalível — creio que a frase é «varrido do juízo falando desvarios» (ênfase minha em todas as citações):
Se a ocorrência mais antiga de varrido do juízo vem da Inquisição, a segunda mais antiga é da Maçonaria, no Manifesto do IR. Lycurgo, Gr. Insp. Ger. da Ordem dos Franc-Maçons em Portugal, 1849:
Comtudo um homem , levantado do pó a empregado subalterno de justiça, apparecia agora, varrido do juízo, a querer zombar de quantos tinham assento na Gr. L.
Parece-me portanto que a expressão doido varrido surgiu por simples justaposição: varrido do juízo, significando ‘sem juízo’, foi justaposto a doido para reforço da ideia, perdendo-se depois o do juízo. Ou então perdeu-se primeiro do juízo e justapôs-se varrido a doido, pois também se encontra simplesmente varrido com o significado de louco. A ocorrência mais antiga que encontrei é de 1755 em Francisco de Pina e de Mello, A Buccolica:
Onde estás louco onde estás?
que depois que andas varrido
trazes o gado perdido?
Deixaste fato, e cabana
o montado, e a companhia,
isto por huma serrana,
que já to naõ merecia
[…]
Se tu vaqueiro naõ cuidas
Que tudo nella he fingido,
digo entaõ que andas varrido.
Outros exemplos:
O homem vai varrido! Ora queira Deus! Queira Deus que ele não vá para aí fazer alguma! Nossa Senhora nos livre de tentações do Demónio e dos maus inimigos da alma. [Júlio Dinis, Uma Família Inglesa, 1870]
É que a pequena, depois de pedir muito à avó que se compadecesse dela e obtivesse do pai liberdade para se casar com o cabra, abriu a chorar e a lamentar-se como uma varrida! [Aluísio Azevedo, O Mulato, 1909]