O verbo haver é usado nesse verso como verbo auxiliar, tal como acontece uns versos mais abaixo no soneto completo (ênfase minha):
Pequei Senhor: mas não porque hei pecado,
Da vossa Alta Piedade me despido: [= me despeço]
Antes, quanto mais tenho delinqüido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.
Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.
Se uma ovelha perdida, já cobrada,
Glória tal, e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na Sacra História,
Eu sou, Senhor, ovelha desgarrada;
Cobrai-a; e não queirais, Pastor Divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória
A minha interpretação dos dois primeiros versos é:
Pequei Senhor: mas não é por ter pecado que me despeço da vossa Alta Piedade = mas apesar de ter pecado não me despeço da vossa Alta Piedade.
Atualmente o pretérito perfeito composto haver + particípio passado é relativamente pouco usado, ao contrário de ter + particípio passado. Mas era frequente no século XVII, ao tempo do autor Gregório de Matos (1636-96). No entanto, enquanto atualmente tenho pecado signfica que pequei contínua ou repetidamente até ao presente, naquela altura significava apenas que cometi pecados no passado: só mais tarde é que ter + particípio passado passou a implicar necessariamente a ideia de continuidade ou repetição da ação até ao presente. Quando é que esta mudança no sentido do pretérito perfeito composto se deu é objeto desta pergunta.