Creio que há uma grande variedade de sotaques no português africano. Para começar, são cinco países distantes entre si; e mesmo dentro de cada país o sotaque varia. Dito isto, há um tipo de sotaque que eu identifico como africano, e que na minha perceção varia consoante o falante entre o praticamente igual ao meu sotaque, comum na região de Lisboa, e o muito diferente, mas não próximo dos sotaques do Brasil.
Agora a perceção de diferenças entre sotaques depende muito da exposição que uma pessoa teve. Eu tenho pouca exposição a sotaques africanos, e consigo apenas ver se um africano tem um sotaque praticamente igual ao meu, parecido, um bocadinho diferente, muito diferente, etc. E ao ouvir um africano, não sei dizer de que país ele é. Apresento abaixo vários exemplos. Atenção que são todos de apresentadores de televisão, políticos, artistas e pessoas geralmente com instrução acima da média, e portanto poderão não ser representativas do leque dos sotaques africanos. Nos meu comentários, classifico os sotaques por comparação com o meu.
Entrevista do guineense Domingos Simões Pereira, secretário da CPLP, à televisão moçambicana em 2012. O sotaque do locutor, que eu presumo moçambicano, não se distingue do que se ouve na região de Lisboa; o do guineense Domingo Pereira tem um não sei quê muito subtil de africano.
Entrevista do Presidente da Guiné-Bissau João Mário Vaz à televisão cabo-verdiana em 2014. A primeira apresentadora cabo-verdiana tem um sotaque do mesmo tipo que o meu. O presidente guineense tem um não sei quê de diferente, e a entrevistadora é quem o sotaque mais diferente, ainda assim muito ligeiro.
Filhos do Presidente de Angola. O filho tem um sotaque ligeiramente pronunciado; a filha passava mais ou menos despercebida em Lisboa.
Dois angolanos com sotaques mais pronunciado. A seguir ao minuto 1’20’’ ouve-se uma entoação muito africana para os meus ouvidos: «sou produtor, tenho muitas facetas».
Entre as coisas que fazem os sotaques africanos mais próximos dos de Portugal que do Brasil estão os sons. Os sons consoantes são os mesmos que em Portugal. O l no fim de palavra é mesmo l (mal é diferente de mau) e não têm os dji e tchi com que muitos falantes brasileiros pronunciam cidade e tia. Têm também a tendência típica do português europeu de fechar e reduzir vogais átonas.
A Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian (2013) dedica um capítulo ao português de Angola e de Moçambique. Explica que apenas uma pequena minoria da população fala o português como primeira língua (11% em Moçambique em 2007; p. 160), e que a fonologia das línguas bantas maternas tende a se fazer sentir naqueles que falam o português como segunda língua, especialmente nos menos instruídos (pp. 163-4).
Nas línguas bantas maternas predomina a sílaba constituída por consoante + vogal, e este padrão reflete-se na fala do português pelo acrescento de vogais onde no português europeu não existem: /i/ em Moçambique e /e/ em Angola no fim de palavra terminada por consoante (beber é pronunciado /beberi/ ou /bebere/); separação de encontros consonantais em princípio de sílaba com uma cópia da vogal tónica (patrão é pronunciado /patarão/, flor, /folor/); e evitando a supressão do e átono típica da pronúncia de muitas palavras no português europeu (querido pronunciado /kridu/ em Portugal, mas /kiridu/ em Moçambique e /kerido/ em Angola).
Note-se que eu não notei estes aspetos nos vídeos que linkei. No útlimo vídeo, o apresentador pronuncia single como singuele, mas pareceu-me que ele estava a exagerar, pois não pronunciava assim as outras palavras. Imagino que as pessoas nestes vídeos sejam das que têm o português como língua materna.