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Atualmente a o s em fim de sílaba é pronunciado como ç de ração ou z de razão pela maioria dos brasileiros (s não chiado); e como ch de chato ou j de jato) por portugueses, cariocas e alguns outros brasileiros (s chiado). Esta resposta explica quando é que é ç ou ch (antes de consoante surda ou pausa) e quando é que é z ou j (antes de consoante sonora ou vogal). E as respostas a esta pergunta dão-nos uma ideia das regiões do Brasil onde se chia o s.

A minha questão é qual é a origem destas duas pronúncias: quando é que surgiram e se propagaram? E se alguém conseguir explicar como surgiram, tanto melhor. Consigo pensar pelo menos em três possibilidades:

  1. As duas pronúncias vêm já da pré-história do português, e o s não chiado extinguiu-se em Portugal depois de passar ao Brasil.
  2. O s chiado é o original no português, e o s não chiado surgiu e expandiu-se no Brasil.
  3. O s não chiado é o original no português, e mais tarde o s chiado surgiu e substituiu o não chiado em Portugal e partes do Brasil.

Posso adiantar já que a (2) me parece improvável, porque já no século XV há textos que sugerem a existência do s não chiado em Portugal. Encontramos frquentemente nacer em vez de nascer e conciência em vez de consciencia. Isto sugere que o s era nesta palavras não chiado e o sc era pronunciado como um único ç. E encontramos nescessidade, nescessario, etc. em vez de necessidade e necessario, o que sugere que o escritor sabia da existência de ss mudos e hipercorrigia. Deixo aqui exemplos do Livro da Montaria de D. João I, 1357-1433 (ênfase minha):

Ora devedes a saber que dos cadelinhos a nacença que milhor he assi he na entrada do inverno. E portanto todollos monteiros non devem a lançar as cadelas aos caães senon no tempo do estio, e esto por lhe naçerem os cadelinhos na entrada do inverno.
[...]
Assi, quando os monteiros quiserem escolher os cadelinhos non os devem a escolher senon do dia que nascerem a dez dias atá quinze

Por outro lado, se a hipótese (3) for correta, põe-se a questão de como é que o s se manteve na escrita em palavras como nascer. Haveria na pronúncia do português antigo uma distinção entre consoantes duplas e únicas, como acontece hoje no italiano?

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  • 2
    Boa pergunta! Em teoria há mais uma possibilidade: o s chiado podia ter nascido em Portugal e depois desaparecido no Brasil. Me parece que o Wikipédia no inglês está a concordar com a sua opção (3), mas parece não citar nenhuma fonte.
    – Dan Getz
    May 24, 2016 at 20:29
  • @DanGetz Há muitas mais possibilidades. Eu identifiquei "pelo menos três", que me parecem as mais básicas. A tua sugestão parece-me uma variante das minhas (2) ou (1), não?
    – Jacinto
    May 26, 2016 at 14:13
  • sim, é verdade.
    – Dan Getz
    May 26, 2016 at 14:19
  • Jacinto o povo facilmente inventa sonoridades novas e descobrir como aparecem não é simples. Imagina que estávamos em 1900 e Braga era a capital de Portugal, a esta altura toda a gente dizia «b» e «v» da mesmo forma...
    – Jorge B.
    Oct 30, 2016 at 1:55
  • Sou brasileira e fiz mestrado em ciências da linguagem em Portugal. Uma colega do mestrado comentou que sua mãe (que era de Trás-os-montes, se não me engano) pronunciava de formas diferentes os ss, sc, c e ç, e usava essa sua pronúncia para ensinar a grafia correta das palavras à filha. A colega não conseguiu repetir as pronúncias, e fiquei muito curiosa para saber como eram. Qualquer dia pergunto-lhe.
    – Tamires
    Nov 28, 2018 at 10:03

4 Answers 4

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Acredito que a pronúncia [s] (s não chiado) é a original no latim. Provavelmente, ela chegou ao Brasil sem mudanças e, depois, passou a ser [ʃ] (s chiado) em Portugal e no Rio de Janeiro (talvez pela influência lusitana durante o período em que foi capital do Brasil). Essa mudança, contudo, não afetou dialetos periféricos ou mais conservativos.

Quanto à existência do dígrafo sc, provavelmente vem de formas resgatadas da escrita latina, mas já com pronúncia alterada. Nascer originou-se do latim nascĕre, palavra pronunciada de forma semelhante a "nas-ke-re" (s não chiado). Fascículo vem do latim fascicŭlus, pronunciado de forma semelhante a "fas-ki-ku-lus".

O mesmo ocorreu com anel, cuja origem é o termo latino annellus. N intervocálico desapareceu, com certa frequência, na passagem do latim para o português, fenômeno que fez annellus tornar-se elo na língua portuguesa. Entretanto, com o resgate de grafias semelhantes às latinas, o uso de anel tornou-se mais comum.

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  • Está bem observado que se a pronúncia desses ss era não chiada no latim, que essa pronúncia se mantivesse no português. Já o sc ser resgatado mais tarde me parece menos plausível. Não é só uma questão de grafia; é pronúncia também: os portugueses, e imagino que todos os que chiam o s, pronunciam /ʃs/ o sc de nascer, crescer, consciência, etc. Se o sc dessas palavras passasse a certa altura a ser pronunciado como um só /s/, não estou a ver como é que o [ʃ] apareceria mais tarde nessas palavras. Se fossem palavras eruditas, tudo vem; (continua)
    – Jacinto
    Oct 28, 2016 at 20:00
  • Mas essas palavras são tão comuns, que não estou a ver a pronúncia delas vir a ser influenciada pela grafia erudita. Portanto estou mais inclinado a pensar que houve sempre gente em Portugal que de algum modo identificava dois sons nesses sc; isto é, que (ele) desce e (se ele) desse não eram homófonos, como imagino que são atualmente na pronúncia com s chiado.
    – Jacinto
    Oct 28, 2016 at 20:12
  • Tenho uma grande curiosidade: quem começou a chiar primeiro e o que influenciou esse chiado?
    – felipe.zkn
    Nov 29, 2018 at 14:34
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Nenhuma das pronúncias é a original. Acredita-se que no século XVI todas as sibilantes do português, não apenas aquelas em final de sílaba, fossem realizadas ou como uma sibilante apico-alveolar surda /s̺/ ou como modal/obstruente /z̺/, que ainda são típicas do espanhol europeu, do galego e dos dialetos setentrionais do português europeu. Para os falantes de línguas em que não figura nenhuma destas, soam como algo intermédio entre [ʃ] e [s]. Em Portugal, as sibilantes apico-alveolares evoluíram o conhecido chiado enquanto que no Brasil deram origem a uma fricativa alveolar surda.

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  • Henrique, as minhas desculpas por só agora ver a tua resposta, que me parece muito interessante. O que eu gostaria era de mais pormenores/referências. Umas qualificações. Quando dizes "Em Portugal, as sibilantes apicoalveolares evoluíram o conhecido chiado", tás a falar só em fim de sílaba, certo? (Nós dizemos [s]im, não [ʃ]im.) E "todas as sibilantes do português [....] realizadas ou como sibilante apicoalveolar [...] ou modal/obstruente /z̺/" tas a falar das habitualmente representados pela letra s, certo? Porque havia outras sibilantes, só que não representadas por s.
    – Jacinto
    Sep 5, 2021 at 11:02
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A influência árabe no portugues em Portugal, na época se via no vestir, na música, e no idioma. O S Chiado é influência de uma variação do árabe. Confira o vídeo no YouTube: https://youtu.be/0uraXoqkzEE Como a maior parte dos árabes se concentraram no Sul e centro de Portugal, no Norte, onde a língua portuguesa nasceu, a pronúncia do S é menos frequente, por ser mais próxima do galego, e por influência inglesa desde o século XII para XIII Confira no vídeo do YouTube: https://youtu.be/zvStEeNzM2Q

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O S chiado não se deve considerar como português mas, sim, como lisboeta (ou alfacinha), quer dizer, relativo à região da capital de Portugal. Fora de Lisboa continua a usar-se o S não chiado. Também em Lisboa, as consoantes SC têm som de CH, assim, descer pronuncia-se "dexer (decher)", mas noutras regiões a pronúncia é "des-cer", com destaque do S e do C.

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  • 2
    Deves estar a fazer uma confusão qualquer. Eu não sou lisboeta, e em todo o lado por onde andei em Portugal sempre ouvi o s chiado em fim de sílaba. O JorgeB e o ANeves são do norte e dizem a mesma coisa nas respostas a esta pergunta. Descer é um bom exemplo. Quem não chia o s pronuncia come se fosse decer; quem chia, pronuncia como dech.cer. Ouve aqui as duas pronúncias.
    – Jacinto
    Dec 14, 2016 at 9:29

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