Usa-se coisas do arco da velha (Priberam) em Portugal com o mesmo significado que no Brasil. E arco da velha era o nome que eu usava em criança, antes de aprender o nome ‘mais culto’ arco-íris. E sempre interpretei o arco das coisas do arco da velha como o arco-íris, por podermos poeticamente ver o arco-íris como uma manifestação fabulosa, inalcançável, como as coisas dos contos de fadas.
Interpretações pessoais à parte, arco da velha foi durante séculos a nome popular mais comum do arco-íris. E teve associado a si lendas fantásticas que justificam a expressão coisas do arco da velha. O dicionário Houaiss assinala a ocorrência de arco da velha em 1563 em Imagem da Vida Christam do Frei Hector Pinto. Curiosamente eu encontrei uma ocorrência do ano anterior, no Dicionário de Português-Latim 1 de Jerónimo Cardoso, 1562, p. 18 (fac simile do original; vale a pena ver):
Arco da Velha * Arcus Coelestis
Entretanto o Frei Hector Pinto, citado em por Rafael Bluteau no seu Vocabulario portuguez e latino (1712-21), explica que velha é um encurtamento de Lei velha, ou Antigo Testamento (Corpus do Português; ênfase minha em todas as citações):
Arco celeste, ou (como diz o vulgo) Arco da velha. Diz Fr. Hector Pinto, que os Portuguezes lhes deraõ este nome, porque na Ley velha disse Deos, que nas nuvens poria este Arco por sinal de paz entre si, & os homens. Os cultos lhe chamaõ Iris.
Ou seja, o arco da velha seria o arco da Lei velha. O Frei Heitor Pinto refere-se à promessa que, segundo o Antigo Testamento, Deus fez a Noé depois do Dilúvio de não mais destruir o mundo com água (Genesis, 9:12-16). Também se usou arco das velhas, que Frei Heitor Pinto interpreta como «arco em que falam as velhas escripturas» (Imagem da Vida Christam).
O filólogo brasileiro João Ribeiro (Frases Feitas: Estudo conjetural de locuções, ditados e provérbios, 1908-9; acesso integral a uma edição de 2009) acha esta sugestão engenhosa, mas não lhe dá grande crédito, porque, entre outras razões, escreve ele, «desde muito se apegou a expressão bem ou mal à história de uma velha feiticeira na linguagem e no floclore peninsular» (p. 157). Acha ele que a ideia do arco da velha vem das costas arqueadas dos idosos. Segundo ele, esta origem explicaria outros nomes do arco, o arcumbé veneziano e o corcubéu rumão, e ainda várias lendas e tradições associadas ao arco da velha.
Leite Vasconcellos (Tradições Populares de Portugal, 1882, p. 58-9) também diz que a «palavra Velha nas nossas tradições é possível que substitua uma qualquer entidade mythica», e observa que no norte de Portugal, quando o dia amanhece com muita geada se costuma dizer: «Ah! A Velha esta noite peneirou bem!» Relata ainda que nalguns sítios se diz que o arco da velha mergulha nos rios para beber água, que onde ele pousa está uma Velha a coser, noutros sítios, que aparece um pinto de prata.
Luís da Câmara Cascudo (Dicionário do Folclore Brasileiro, 1954, p. 101-2) confirma a existência no Brasil desta crença de o arco íris mergulhar nos rios para beber água; nalguns sítios acrescenta-se que ele engole crianças que por lá andem. Cascudo fala ainda de várias outras lendas associadas ao arco-íris no Brasil (segundo ele, no Brasil o nome arco da velha é comum apenas no sul), e diz que este tipo de lendas é comum em todo o mundo.
Não é portanto de espantar que coisas do arco da velha sejam coisas fantásticas. A ocorrência mais antiga que encontrei de coisas do arco da velha é de 1845, numa carta assinada por «Uma Obscura Portuense» e publicada na Revista Universal Lisbonense, Tomo IV, p. 552 (fac simile do original):
O feiticeiro que foi preso em Monte-mór-o-novo e que se dizia do concelho de Bouças [Matosinhos], será acaso discípulo de duas desembruchadeiras, que segundo se me conta, fazem em Bouças coisas do arco da velha?
A expressão ocorre com frequência no Google books a partir dessa data. Não encontrei qualquer referência a coisas da arca da velha (ou a cousas). Acho portanto que podemos pôr essa hipótese de lado.