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Dizem algumas fontes que o tempo pretérito perfeito composto se utiliza para as ações recorrentes. Porém, quanto tempo tem que passar até uma ação poder ser chamada "recorrente"? Veja o exemplo seguinte:

[Tem chovido vs Choveu] muito esta semana!

Qual tempo se prefere neste caso? Será que a chuva não precisa de tempo suficiente (uma semana) para ser chamada "recorrente", ou podemos usar o tempo perfeito? Em palavras simples; qual é o ponto de corte para o tempo perfeito?

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O significado não difere muito entre ambas as formas verbais e é muito frequente serem usadas para dizer a mesma coisa.

No entanto, de um ponto de vista mais formal trata-se de uma distinção entre uma acção continuada e uma acção finita, mais do que uma questão de recorrência.

No exemplo apresentado:

Tem chovido muito esta semana!

Trata-se de uma acção continuada. O verbo chover é precedido do verbo auxiliar ter. É análogo ao continuous past do inglês (e outras línguas).

Por outro lado,

Choveu muito esta semana!

É uma acção finita. Como se tivesse chovido e parado de chover. Análogo ao past perfect do inglês.


Como nas referências apresentadas não está muito claro, vou tentar esclarecer melhor a questão da continuidade / recorrência / intervalo de tempo.

Usa-se a forma composta (pretérito perfeito composto) quando uma acção:

  1. começou há algum tempo atrás (não importa quando) e continua a ocorrer no presente;
  2. ocorreu no passado e previsivelmente vai ocorrer novamente no presente ou futuro imediato.

Exemplos:

Tem chovido muito esta semana.
Tem nevado muito este mês.
Têm morrido muitos artistas este ano.

Usa-se o pretérito perfeito (simples) quando uma acção:

  1. começou e acabou no passado (não importa se passado próximo ou distante).

Exemplos:

Choveu muito esta semana.
Nevou muito em 2012.
Morreram muitos artistas este ano.

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    Boa resposta. Agora entendo; trata-se da natureza da açao (se for finita/continuada), mais do que a quantidade do tempo decorrido. Obg!
    – Mr Chasi
    Mar 11, 2016 at 9:37
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O Pretérito Perfeito Composto não tem necessariamente de exprimir iteração; dependendo das características aspetuais do predicado, pode ter um valor durativo (nomeadamente, se se tratar de um estado). Por exemplo:

Tem chovido [=tem estado a chover] a tarde inteira.

A diferença com choveu a tarde inteira é essencialmente que tem chovido só pode ser proferida se ainda for de tarde e ainda estiver a chover (portanto a ação tem de continuar até ao presente).

Mas passando à tua pergunta, quantas repetições são necessárias, a resposta é depende; podem ser só duas. Os únicos requerimentos são:

  • Durante o tempo de tópico (que pode ser explicitamente delimitado com desde Janeiro, nos últimos dias, etc.), o período em que ação ocorreu tem de ser longo o suficiente, o número de repetições grande o suficiente e as repetições distribuídas pelo período de tempo bem o suficiente para que se possa estabelecer um padrão/hábito.
  • O número de repetições não pode ser especificado: *Tenho-a visitado vinte vezes, mas é possível tenho-a visitado várias/muitas/poucas vezes e tenho-a visitado três vezes por semana (o que é iterado é visitar três vezes por semana).

Repara que o facto de haver um padrão não implica que ação seja frequente:

Tenho visitado os meus pais a cada três anos.

Quanto a tem chovido/choveu muito esta semana, é um mau exemplo — trata-se de frases ambíguas. Podemos estar a falar da frequência (= muitas vezes) ou da quantidade/intensidade (=muita chuva). Diria que a interpretação preferencial com tem chovido é de frequência, e com choveu de quantidade. Se for de quantidade para os dois casos, tem chovido tem um carácter mais iterativo. Qualquer que seja a interpretação, tem chovido só pode ser usado se estivermos algures no meio da semana e choveu só pode ser usado se estivermos no fim da semana ou já na semana seguinte (esta semana = esta última semana) — se estivermos a meio da semana só podemos usar choveu com algo do género choveu muito esta semana.

Em suma, para o Pretérito Perfeito Composto é preciso que que haja um início indeterminado de um estado ou de uma série de eventos no passado que se mantenha até ao presente e que possa continuar depois deste. Já o Simples é «terminativo, isto é, marca um momento em que um estado ou um evento terminou, podendo só nos casos em que há culminação inferir-se um estado consequente» (Gramática do Português de Maria Mateus e outras, 6.ª ed., p. 156).

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    Isto sem abordar os raros casos em que o pretérito perfeito composto não tem estes valores, como em «tenho dito» e quando o tempo de referência não corresponde ao tempo da enunciação.
    – Artefacto
    Mar 10, 2016 at 18:29

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