Vou desenvolver um pouco a resposta de @tchrist, já que a citação que ele fez exemplifica o caso do desenvolvimento ⟨lh⟩ e não explica ⟨nh⟩. Mas em resumo, a resposta é a mesma: não há ⟨lh-, nh-⟩ em início de palavra pois os fenômenos que desenvolveram estes sons não ocorreram em início de palavra (exceto em "lhe(o/a)" e já explico o porque).
Primeiramente, em nosso vocabulário há palavras que começam com ⟨lh-⟩, mas que são vindas doutras línguas ("lhama", "Lhasa-Apso"), ou formadas no português através de neologismos, onomatopeias e reduções ("lhufas < bulhufas"). O mesmo ocorre para o dígrafo ⟨nh⟩ ("nheco", "nheengatu", "nhá < sinhá", "nhô < sinhô").
A maior parte das palavras com esses sons foram criadas por um fenômeno chamado iotização. Iotização é uma forma de palatização desencadeada quando uma consoante se funde com um som palatal próximo (geralmente a semivogal /j/
). Enquanto que palatização é uma alteração fonética de um som não-palatal que torna-se palatal (neste caso /l > ʎ/
e /n > ɲ/
).
Dos fenômenos que formaram o ⟨lh⟩
No primeiro caso, /ʎ/ surgiu do /-lj-/ ou /-jl-/ intervocálico. Esse /j/ ocorria no latim vulgar em locais onde, no latim clássico, haviam /i/ ou /e/. Em notação fonética, as mudanças foram, do latim clássico ao latim vulgar e ao português:
LATIM > VULGAR > PORT. -- EXEMPLO
/VliV > VljV > VʎV/ -- "melior > melhor"
/VleV > VljV > VʎV/ -- "valeo > valho" (primeira pessoa do verbo "valer")
/VilV > VjlV > VʎV/ -- "ille > lhe"
Onde /V/ é uma vogal qualquer.
No proto-português as consoantes /c/ e /g/ pós-vocálica, quando ocorria antes de outra consoante, transformou-se em /j/. Por exemplo, "oito", que veio do latim "octo", além de "noite < noctem" e "leito < lectum". Esse fenômeno também aconteceu antes do /l/, por exemplo, o latim vulgar "mac'la" (vinda do latim clássico "macula") transformou-se no proto-português /majla/ que, por iotização, virou "malha". Veja a lista dessas mudanças em notação fonética:
LATIM > VULGAR > PROTO > PORT. EXEMPLO
/VkulV > VklV > VjlV > VʎV/ "aurecula > *orec'la > orelha"
/VtulV > VklV > VjlV > VʎV/ "vetulum > *vec'lu > velho"
/VgulV > VglV > VjlV > VʎV/ "coagulare > *coag'lare > coalhar"
Como pôde ver, não há como este som aparecer no início de palavra, pois:
- A primeira mudança só ocorreu com um /-lj-/ ou /-jl-/ intervocálico (entre vogais), o que só é possível no interior de uma palavra, exceto pelo pronome "lhe", que é um enclítico. Um enclítico é morfologicamente uma palavra individual, mas é fonologicamente ligada a outra. Em português os enclíticos são reconhecidos pelo uso do hífen: "dei-lhe", "dou-te".
- A segunda mudança ocorreu com /-cl-/ ou /-gl-/ intervocálico, o que só é possível no interior de uma palavra. Palavras como "clave" não transformaram-se em "lhave" pois a transformação /c > j/ só aconteceu após uma vogal, portanto as transformações no proto-português foram "noite < noctem" e "majla < macla", mas não "jlave < clave".
Dos fenômenos que formaram o ⟨nh⟩
Dois dos três fenômenos de formação do ⟨nh⟩ são semelhantes e paralelos ao do ⟨lh⟩.
Primeiro a iotização do /-nj-/ intervocálico do latim vulgar:
LATIM > VULGAR > PORT. EXEMPLO
/VniV > VnjV > VɲV/ "seniorem > senhor"
/VneV > VnjV > VɲV/ "baneum > banho"
Também há a iotização por semivogais criadas a partir de uma consoante oclusiva pós-vocálica no proto-português:
LATIM > VULGAR > PORT. EXEMPLO
/VgnV > VjnV > VɲV/ "tam magnum > *tammajno > tamanho"
E, no terceiro caso, o /ɲ/ foi criado após /i/ e antes de outra vogal, tal como especifico aqui:
LATIM > PT ANTIGO > PORT. EXEMPLO
/i.nõ > ĩ.o > ĩ.ɲo/ "vinum > vỹo > vinho"
/i.na > ĩ.a > ĩ.ɲa/ "gallina > galỹa > galinha"
Novamente, esses fenômenos não podiam ocorrer no início de palavra pois:
- O primeiro caso só ocorreu com o /-nj-/ intervocálico, o que não é possível no início de palavras.
- O segundo caso só ocorreu com o /-gn-/ intervocálico, o que não é possível no início de palavras.
- O terceiro caso só ocorreu com o /-n-/ após /i/, o que não é possível no início de palavras (pois um /n/ no início de palavra é o primeiro fonema e ocorre após nada, não tem como ele estar, ao mesmo tempo, após /i/ e após nada).
Conclusão
As consequências do fato desses fenômenos terem sido desencadeados sempre após uma vogal e antes de outra são:
- Não há ⟨lh, nh⟩ no início de palavra; exceto "lhe" que, por ser um enclítico, faz fonologicamente parte do verbo que a antecede ("doulhe") embora que morfologicamente seja uma palavra por si só ("dou-lhe"; além de "lhe dou", no português moderno).
- ⟨lh, nh⟩ só ocorrem entre duas vogais; exceto "lhe" que, por ser um enclítico, acontece após a vogal final de um verbo conjugado.
Este livro discute essas transformações desde o latim clássico ao latim vulgar e ao galego-português.