Antes de lerem o resto da pergunta, gostaria que parassem uns segundos para pensar no significado do título. Significa que a questão não é completamente clara: compreende-se alguma coisa, mas há alguns pontos que levantam dúvidas? Significa que a questão é completamente incompreensível? Outro exemplo:
(a) A janela não está de todo aberta.
Significa isto que a janela está parcialmente aberta? Que está fechada?
Esta dúvida ocorreu-me, ou melhor, 'recorreu-me', ao ouvir na segunda passada a Ana Galvão nas Donas da Casa, RTP Antena 3 (ao minuto 79) dizer qualquer coisa como (ênfase minha):
(b) São 11h21. Ai, tinha prometido que não dava as horas. E porquê? Porque há muita gente de férias, que está relaxada, e que não quer saber as horas, de todo, muito menos quando é de manhã.
Ora, eu acho que comecei a ouvir, e só esporadicamente, este uso do de todo, no fim duma frase para reforçar o não anterior, há coisa de uns quinze anos. E sempre o achei estranho, e um decalque do inglês (not) at all. (Também poderia ser do francês (pas) du tout, mas quem é que ainda decalca coisas do francês?)
Ora o Ciberdúvidas não estranha a expressão, diz que significa completamente, totalmente, e apresenta os seguintes exemplos de Énio Ramalho, Dicionário Estrutural, Estilístico e Sintáctico da Língua Portuguesa (1985) (ênfase minha):
(c) «Aquele rapaz anda tolo de todo [...].»
(d) «Não se podem considerar ainda de todo esclarecidas as razões que o levaram a demitir-se do cargo.»
(e) «O traço da dureza faltava de todo no estilo daquele escritor.»
Os exemplos acima com o de todo substituído por completamente soam lindamente, mas não querem saber as horas, completamente?! Portanto o de todo da Ana Galvão (e do consulente do Ciberdúvidas) é o mesmo de todo dos exemplos do Énio Ramalho? Este outro artigo do Ciberdúvidas apresenta este exemplo:
(f) «Os filmes de ficção científica não são, de todo, os meus favoritos.»
No artigo afirma-se que de todo significa completamente e que reforça a negação da frase. Mas em (d), parece-me que atenua a negação (não estão completamente esclarecidas as razões). A diferença parece ser conseguida pelo isolamento ou não do de todo do resto da frase por vírgulas.
Depois de tudo isto, as questões que eu gostaria de ver esclarecidas são as seguintes:
- Qual é significado de (a): a janela está fechada ou parcialmente aberta? E do mesmo modo, qual o significado do meu título e de (d)?
- Faz de facto diferença o isolamento do de todo por vírgulas? Isto é, de todo reforça a negação em (b) e (f) e atenua-a no meu título, em (a) e (d)?
- Este uso do de todo, que reforça a negação, é de facto uma inovação recente, ou já está presente na língua há muito e eu é que não dei por ele?
- Se é inovação, quando e onde é que aconteceu? Não encontrei exemplos deste uso em sites brasileiros. Será um fenómeno exclusivamente de Portugal?