De facto, as tuas frases são todas (salvo uma) gramaticais, mas, com o Jacinto sugere, têm tipos distintos de clíticos. Vou desenvolver este ponto.
Dativo Ético
(1) Espero que o menino não me vá cortar o cabelo dele.
(2) ??Dá-me uma bolacha a ela, por favor.
A frase 2 parece-me de gramaticalidade muito duvidosa. O clítico me ocorre num local onde seria de esperar o argumento recetor de dar, mas continuando a frase percebemos que é a ela que tem esse papel. Nota que se removermos o clítico, a frase seria agramatical (pelo menos em Portugal, no Brasil é comum):
(2a) *Dá uma bolacha a ela, por favor.
Parece-me que a ela só poderia ocorrer naquela posição se estivesse a redobrar o clítico:
(2b) Dá-lhe uma bolacha a ela.
Mas adiante. Em (1) temos o dativo ético. Mateus et al. (2003: 840) descrevem-no como designando «o locutor, manifestando o seu interesse na realização da situação expressa pela frase». Segundo as autoras, ocorre tipicamente na primeira pessoa do singular, embora admitam que marginalmente possa ocorrer na primeira do plural. Miguel Duarte (2010: 394) admite também a segunda pessoa, como neste exemplo que dá:
(3) No Inverno, o vento sopra-te cá com uma força!
Segundo o autor, estes dativos «estabelecem uma relação entre a situação e um dos participantes no discurso e que remetem para um ouvinte real ou hipotético, ocorrendo tipicamente em frases avaliativas ou imperativas».
Uma propriedade que os permite destinguir dos outros dativos que referirei é o facto de não poderem ser realizados sob a forma de sintagma preposicional; em particular, não podem ocorrer em contextos de redobro de clítico:
(4) *Espero que o menino não me vá cortar o cabelo dele a mim.
Dativo Benefativo
(5) A criança apareceu com fome. A sua mãe cortou-lhe uma maçã.
(6) Estamos com calor! Quem pode abrir-nos uma janela?
Neste caso, estamos perante dativos benefativos, os quais designam a entidade beneficiada (ou prejudicada). Segundo Miguel (2010: 390), podem realizar-se como sintagma preposicional introduzido por a e, em alguns contextos, com para. É permitido o redobro de clítico («cortou-lhe uma maçã a ele», «abriu-nos uma janela a nós»).
Dativo de Posse
(7) Sujaste-me este lugar!1
(8) Eles vão a comer-nos toda a comida.
Aqui temos um dativo possessivo, o qual designa posse em sentido estrito. Sintaticamente, é muito semelhante ao dativo benefativo, mas pode co-ocorrer com mais tipos de verbos. Miguel (2010: 391) dá exemplos de frases ambíguas entre uma leitura possessiva e benefativa. Outra diferença é que o dativo de posse, quando realizado como sintagma preposicional, não pode ser encabeçado por para, apenas por por ou de. O redobro de clítico também é permitido: «vão comer-nos toda a nossa comida».
1Como o Jacinto menciona nos comentários, parece ser também possível uma interpretação de me como dativo ético.
Maria Mateus et al., 2003. Gramática da Língua Portuguesa (6ª edição, Lisboa: Editorial Caminho)
Matilde Miguel, Anabela Gonçalves e Inês Duarte, Inês. Dativos não Argumentais em Português. In Actas do XXV1 Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística, 388-400. Lisboa: APL. Disponível online.