As variantes nené e neném já existiam antes de 1840; nenê, provavelmente também, e antes de 1860 existia de certeza. Isto é demasiado cedo para a imigração não portuguesa para o Brasil ter tido alguma influência. Se os africanos ou índios tiveram alguma influência, é que eu já não sei dizer. Esta variação entre Portugal e Brasil tem paralelos noutras palavras, e portanto não é de estranhar. Vou agora comprovar o que disse, começando com a antiguidade das três variantes.
Nené
É a única variante em Portugal. Hoje pode ser rara, mas vem nos dicionários publicados em Portugal desde 1831 (“Menino pequenino”, Moraes Silva). Aparece também nalgumas publicações portuguesas (grafia original e negrito meu em todas as citações):
[…] chama,
Imoralmente — néné,
A uma creança de mamma”
O Panorama, Lisboa, 1855.
[… e]m ella tendo o primeiro néné, baptisado de grátis
Luís de Araújo, A Baroneza dos Dentes, Lisboa, 1872.
Aparece também no Brasil no século XIX:
[…] quando tendo-me em seu collo, embalando-me, dizião «olhem o néné como é tão bonitinho,»
O Novo Domingueiro, Rio de Janeiro, 1847.
[Ó] nené foge que lá vem o tutu !
Diário do Rio de Janeiro, 1856.
Neném
Esta variante aparece já em 1830. Grafava-se sem acento (tal como tambem). Nos segundo e terceiro exemplos, refere-se depreciativamente a adultos.
[…] quando se fala com hum menino, dizem — as nossas amas nenem — quer papá, quer fazer piche &c.
O Amigo do Povo, Pernambuco, 1830.
[…] todos os que não quizerão mamar por cauza do tutu nenem, restauração serão seguros, e sentar-se-lhes-ha praça na Brigada
Diário do Rio de Janeiro, 1833.
— Olhem como é tolo o nenem, diz Demar, toma o mais bonito, e eu se rasgar as minhas calças, hei de ficar só com as cinzentas que já estão cheias de nodoas.
Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 1842.
É talvez um baptizado
De nênem afortunado
O Grito Nacional, Rio de Janeiro, 1853.
Nenê
Indubitavelmente como ’criancinha’, encontrei só a partir de 1858, mas já existia em 1834 como alcunha:
Assistimos ao casamento e tú serás o padrinho do primeiro nenê.
Diario do Rio de Janeiro, 1858.
[…] hum individuo conhecido por Côcô, e outro por nênê
Diario do Rio de Janeiro, 1834.
Por esta altura no Brasil, as outras variantes também servem de alcunha: temos um Joaquim da Silva conhecido por Nené (Rio de Janeiro, 1833), uma sinhá Nenem (Espírito Santo, 1850) e um Antonio José de Souza, conhecido por Antonio Onofre Nenem, (Pernambuco, 1855). Nené era também nome oficial: Manoel Rodrigues Nené (Rio Grande do Sul, 1839) e José Cupertino de Abreu Nené (Rio de Janeiro, 1841).
Paralelos com outras palavras
Os dois ee têm timbre aberto em nené e fechado em nenê, daí encontrar-se no passado néné e nênê. Ora esta oposição entre timbre aberto em Portugal e fechado no Brasil encontra paralelos em palavras como género-gênero, efémero-efêmero, cónico-cônico, cómico-cômico, etc., que têm acento agudo em Portugal e circunflexo no Brasil. Segundo a Wikipédia,o acento circunflexo destas palavras no Brasil resulta de nasalação que a vogal tónica sofre por causa da consoante nasal n ou m que se lhe segue, levando isso também ao fechamento do timbre. Em Portugal essa nasalação não ocorre. Este artigo (“Progressive vowel nasalization in Brazilian Portuguese”) conclui que no Brasil ocorre também nasalação na vogal tónica precedida de m ou n, como é o caso do segundo e de nenê. Portanto a oposição entre nené em Portugal e nenê no Brasil enquadra-se perfeitamente num padrão mais geral das diferenças fonológicas entre Portugal e Brasil. O caso de neném pode ser simplesmente um fortalecimento da nasalação já presente em nenê, levando o escritor a sentir necessidade de incluir um m final para indicar a nasalação.
Esta nasalação de vogais por via de eme ou ene seguinte foi muito comum na evolução do latim para o português, e também se encontram casos de nasalação por via de eme ou ene anterior. Portanto esta nasalação que presentemente ocorre no português do brasileiro mas não no europeu não é nada de extraordinário no panorama geral da língua portuguesa. Mas alguns historiadores defenderam (segundo a Wikipédia) que ela resultou de influência dos índios.