2

Dizemos que ele não se calou e que a causa disso foi a Joana tê-lo confrontado?

(a) Ele só não se calou porque a Joana o confrontou.

Ou dizemos que ele calou-se, mas a causa disso não foi a Joana tê-lo confrontado?

(b) Não foi porque a Joana o confrontou que ele se calou.

As duas interpretações são possíveis e a frase é irremediavelmente ambígua? Faz diferença se dissermos:

(c) Ele não se calou por a Joana o ter confrontado?

E se projetarmos a ação para o futuro, as coisas ficam mais claras?

(d) Ele não se vai calar por a Joana o confrontar.

2 Answers 2

3

É ambígua, sim, sem contexto é difícil perceber o significado. Consideremos a frase sem "não":

(1) Ele calou-se porque a Joana o confontrou.

Não há aqui qualquer dúvida: (a) ele calou-se e (b) o motivo por se ter calado foi a Joana o ter confrontado.

Ao adicionar "não" , a ambiguidade é que surge é: estamos a negar (a) ou estamos a negar (b). Se estivermos a negar (a), estamos ainda a afirmar (b) (modificado por "o motivo por se não ter calado"), porque "não" cobre apenas a primeira oração.

Se estivermos a negar (b), ainda há uma ambiguidade lógica extra (ou mais exatamente, o facto que a afirmação avança é muito limitado): como o "não" cobre toda a frase, não estamos sequer a afirmar (a), portanto ficamos sem saber se ele se calou e até se foi confrontado. Esta interpretação é equivalente a:

Não é verdade que (ele se tenha calado porque a Joana o confontrou).

Portanto ele pode não se ter calado de todo (apesar de ter sido possivelmente, mas não necessariamente, confrontado), ou pode ter-se calado, mas não porque a Joana o confrontou (quer porque tenha acontecido mas não foi a causa, ou porque a confrontação não aconteceu de todo). Basicamente apenas podemos ter a certeza que o não aconteceu foi aquilo afirmado por (1).

Adicionar partículas como "só", "lá" desfaz a ambiguidade, mas altera o sentido da frase:

(2) Ele só não se calou porque a Joana o confrontou.
(3) Ele não se calou lá porque a Joana o confontrou.

Em nenhuma das frases ele se terá calado. Outra hipótese mais neutra é alterar a a ordem:

(4) Porque a Joana o confrontou, ele não se calou.

Para a desfazer a ambiguidade nos outros sentidos:

(5) Ele calou-se, mas não porque a Joana o confrontou [não é a causa, possivelmente porque nem aconteceu].

Em relação às últimas perguntas, não creio que reescrever a frase com uma oração reduzida introduzida por "por" faça muita diferença.

Projetar para o futuro já faz alguma diferença -- não existe a questão de a Joana o ter confrontado ou não, porque ainda não acontenceu; a afirmação é apenas prospetiva. Mas de resto a frase continua ambígua.

1
  • Nem me tinha lembrado da possibilidade de a Joana não o ter confrontado.
    – Jacinto
    Nov 18, 2015 at 11:59
0

"Ele não se calou porque a Joana o confrontou."

A frase original é certamente ambígua. Em Inglês, assim como em Português, temos muitos exemplos semelhantes: "She didn't go to the party because Mary was there." A ambiguidade pode ser diminuída usando-se intonação apropriada e também uma vírgula após "calou".

Aqui, uma tentativa (talvez inútil) de demonstrar os dois significados:

  • "Ele não se CALOU, porque a Joana o CONFRONTOU." (com uma boa pausa entre "calou" e "porque", significando ele teria se calado caso a Joana não o tivesse confrontado)

  • "Ele não se CALOU PORQUE A Joana o confrontou." (ele se calou por outro motivo)

A intonação correta acaba muitas vezes com a ambiguidade de uma frase. Na língua escrita, no entanto, não dispomos desse recurso.

Your Answer

By clicking “Post Your Answer”, you agree to our terms of service and acknowledge that you have read and understand our privacy policy and code of conduct.

Not the answer you're looking for? Browse other questions tagged or ask your own question.