Vejamos o que diz Celso Cunha na Nova Gramática do Português Contemporâneo (1984):
O pronome adjectivo possessivo
precede normalmente o substantivo que determina [...].
Pode, no entanto, vir posposto ao substantivo:
- Quando este vem desacompanhado de artigo definido:
- Esperava notícias tuas para de novo te escrever. (António Nobre, CI, 119.)
- Soube por José Veríssimo que estranhou a ausência de cartas minhas. (Euclides da Cunha, OC, II, 707.)
Nestes exemplos, não se pode antepor o pronome sem alterar o significado. Esta frase:
Esperava tuas notícias para de novo te escrever.
é equivalente a estoutra, muito mais frequente no Português moderno de Portugal.
Esperava as tuas notícias para de novo te escrever.
A diferença é a mesma entre "esperar notícias" e "esperar as notícias", portanto se são notícias específicas ou não.
Há ainda expressões mais ou menos fixas usadas sem artigo nas quais seria muito estranho antepor o pronome como "Isso é impressão tua/problema teu."
Continuando:
- quando o substantivo já está determinado (pelo artigo indefinido ou por numeral, por pronome demonstrativo ou por pronome indefinido):
- Recebi, no Rio, no dia da posse no Instituto, um telegrama seu, de felicitações... (Euclides da Cunha, OC, II, 639.)
- Note este erro seu: não há em mim (que eu seja consciente) o menor espírito de renúnica ou de esquecimento de mim próprio. (Jackson de Figueiredo, C, 177.)
- Como tu foste infiel
A certas ideias minhas! (Fernando Pessoa, QGP, 83.)
Aqui, "este erro seu" é facilmente substituído por "este seu erro", que é de resto muito mais comum (encontrei duas ordens de grandeza no CETEMPúblico, o que até acho estranho).
"Certas ideias minhas" é também muito mais comum do que "certas minhas ideias", construção para a qual de resto só encontrei uma entrada (contra 12 da outra) no CETEMPúblico:
[...] facto que decorre do alcance da sua arquitectura metafórica, de um certo seu gosto pelas sinestesias ou [...]
Por fim, com o artigo indefinido ou numeral, a posposição é mais comum, especialmente na oralidade. No CETEMPúblico, a diferença na frequência das duas formas é pouco marcada (mas com uma vantagem para a posposição). Exemplo:
O assaltante entregou parte do produto do roubo a um seu amigo, Mário, de 21 anos, para que este lhe comprasse heroína.
Adiante:
- nas interrogações directas:
- Onde estais, cuidados meus? (Manuel Bandeira, PP, 23.)
- Mas dize: esta amaríssima tristeza
Terá vindo em verdade das mãos tuas? (Eugénio de Castro, UV, 18.)
- Em todo o caso... Agora ouve-se menos ou é apenas uma impressão minha? (Augusto Abelaira, NC, 15.)
O último exemplo é estranho, porque é indistinguível de 2. e porque "impressão minha/tua/etc." é uma expressão fixa que geralmente se usa sem artigo, como referido antes. As outras duas inversões são típicas da literatura.
- quando há ênfase:
- — Tu não lustras as unhas! tu trabalhas! tu és digna filha minha! pobre, mas honesta! (Machado de Assis, OC, I, 672.)
- — Ninguém, senhores meus, que empreenda uma jornada extraordinária, [...] (Rui Barbosa, EDS, 685.)
- — Já lá se vão trinta anos, Deus meu! (Augusto Frederico Schmidt, GB, 111.)
Este tipo de inversões são um pouco retóricas, mas são usadas.
O que não figura nestes exemplos é um caso com um artigo definido como tu dás ("o amigo meu"), mas a construção também é possível. O CETEMPúblico tem vários exemplos. As mais comuns são expressões do género "o X nosso de cada dia", onde X geralmente é "pão":
- [...] devido ao malefício dessas coisas mesquinhas que são o pão nosso de cada dia nas províncias mais incultas.
- Que mal me senti a fazer de crítico em causa própria, agora que a guerra das audiências tem sido arma e álibi para desvalorizar a função daqueles que se obrigam profissionalmente a fazer aquilo que para milhões é o prazer nosso de cada dia -- ver televisão.
- Novo agitar de águas pela euforia desagregada do PRD e, para cumprir a sina sua, Cavaco galga as ondas.
Por fim, voltando a citar:
A alternância de colocações presta-se a efeitos estilísticos, como nos mostra este exemplo:
És meu único desejo,
Ah! fosse o desejo teu! (Guimarães Passos, VS, 24.)