Se estou contando uma história a respeito de um antigo amigo com uma condição que permanece até os dias de hoje (ex: ser judeu), devo conjugar o verbo "ser" no passado também ou no presente? Ou tanto faz?
3 Answers
Se usas é, estás a afirmar a condição de ele ser judeu é verdadeira no momento em que afirmação é feita. Podia ser judeu na altura da história ou não.
Se usas era estás a dizer que a condição de ele ser judeu é verdadeira no teu ponto de referência no passado, mas podia ser verdadeira antes desse ponto e pode ter continuado a ser verdade até ao presente (contrariamente a "ele foi judeu").
Portanto, ambas são ambíguas. A primeira deixa em aberto a condição no passado, a segunda deixa em aberto a condição no presente. O melhor é dizer amigo judeu, sem verbo.
Agora, tudo dependerá do contexto, mas sem mais a leitura mais provável com é é de que a condição era também verdadeira no passado (porque havias tu de mencionar um facto não aplicável ao momento da tua história?). Com era, a leitura mais fácil depende. Se o interlocutor sabe que já não o vês há muitos anos, não assumirá que a afirmação fornece informação sobre o presente e sem prova em contrário uma pessoa não terá mudado de religião. Caso contrário, pensará que escolheste explicitamente era em vez do simples amigo judeu para indicar que já não é verdade no presente.
Portanto, se quiseres mesmo usar o verbo, a melhor forma depende do contexto. Dizes "antigo amigo", mas essa expressão é ela mesma ambígua. Pode significar "amigo atual de longa data", ou "amigo na altura, mas não no presente". Ora, se ele ainda é teu amigo, presumivelmente sabes que ele é ainda judeu e a melhor forma é é. Se já não é teu amigo e não sabes a sua condição no presente, a melhor forma é era. Podes também dizer amigo que era e é judeu, se não quiseres deixar dúvidas.
As duas alternativas são possíveis. Mas se começamos com tinha, tipicamente vamos contar alguma coisa que se passou nesse tempo. Então dizer que é vai causar uma certa dissonância. Comparemos:
(a) Tinha um amigo que é judeu. Um dia convidámo-lo para jantar e...
(b) Tinha um amigo que era judeu. Um dia convidámo-lo para jantar e...
(c) Tinha um amigo que é vegetariano. Um dia convidámo-lo para jantar e...
Para mim (b) soa melhor, apesar de (a) também estar correto. A frase (c) tem um problema adicional: não sabemos se antes o amigo já era vegetariano; no caso de ser judeu, presumimos que se agora é, dantes também era.
Mesmo quando queremos enfatizar a condição presente, é comum usar um advérbio para ajudar a transição do referencial temporal:
(d) Tinha um amigo que agora é vegetariano. (Dá ideia que antes não era.)
(e) Tinha um amigo que ainda hoje é vegetariano. (Sugere que há razão para um dia não ser.)
Os dois exemplos anteriores mostram que tinha um amigo que é está correto: não é por tirarmos o agora ou ainda hoje que as frases deixariam de estar corretas. Mas (d) e (e) não são apropriados para ser judeu (pelas razões entre parênteses). E se dissermos tinha um amigo que era deixamos em dúvida se ele ainda é. Se quiséssemos eliminar essa dúvida, eu optaria por:
(f) Tinha um amigo judeu. Um dia convidámo-lo para jantar e...
(g) Tinha um amigo que era judeu. (Era e é.) Um dia convidámo-lo para jantar e...
De uma forma resumida e didática:
(A palavra "judeu" nos exemplos refere-se tão somente à religião, e não à etnia.)
"Eu tenho um amigo que é judeu." - Ele é meu amigo, é judeu, e está vivo.
"Eu tenho um amigo que era judeu." - Ele continua sendo meu amigo mas não é mais judeu. (ou mudou de religião, ou virou ateu)
"Eu tinha um amigo que é judeu." - Ele era meu amigo e já não é mais, mas continua sendo judeu e ainda está vivo.
"Eu tinha um amigo que era judeu." - Ele era meu amigo, já não é mais, e provavelmente já faleceu ou mudou de religião.