Não, porque não é possível a coocorrência de dois pronomes clíticos com o mesmo som, mesmo que tenham funções sintáticas distintas.
Uma pessoa diverte-se não pode ser reformulado como *diverte-se-se, com um se anticausativo, e um se impessoal. Da mesma forma, apresentei-me a mim próprio não pode ser reformulado *apresentei-me-me, em que o primeiro me é dativo e o segundo acusativo. Esta última forma é ainda excluída pelo facto de não ser possível integrar clíticos que não têm formas distintas para o acusativo e para o dativo (por exemplo, não podemos reformular entregámo-nos a vocês com *entregámo-nos-vos).
Na discussão sobre este assunto, em que de resto me baseei acima, a Gramática do Português da Gulbenkian (2013, p. 2236), contém uma nota que compara o português com o italiano e que reproduzo aqui parcialmente por achar interessante:
O português [...] não permite [...] a coocorrência entre se impessoal e se inerente ou se reflexo [...]. Outras línguas românicas, como, por exemplo, o italiano, comportam-se diferentemente. Assim, a frase *lava-se-se é agramatical em português, mas a frase correspondente em italiano é possível: ci si lava (ci = impessoal; si = reflexo). Embora o pronome impessoal tenha normalmente em italiano a forma si (idêntica à forma do pronome reflexo), si (impessoal) pode ser convertido em ci, em italiano-padrão, por forma a evitar a sequência agramatical si si [...]. O português não dispõe de uma estratégia semelhante à do italiano-padrão, pelo que só é permitida a ocorrência de um único pronome se por domínio oracional.
Guifa interroga-se nos comentários se é possível em português o clítico se ter um significado duplo (se impessoal/nominativo e se inerente, anticausativo ou reflexo). Este tipo de fenómeno designa-se de haplogia sintática e ocorre de facto em português noutras circunstâncias. João Peres e Telmo Móia dão estes exemplos (Áreas Críticas da Língua Portuguesa, p. 101):
Era melhor que eu te dissesse a verdade (do) que [que] te viessem outros contá-la.
Acabei de almoçar [com] com quem tu almoçaste ontem.
No entanto, o tipo de combinação que Guifa sugere é marginal em português. Afonso Miguel, na sua tese de mestrado, depois de defender a mesma tese que esta resposta (embora indique que a razão para não ser possível combinar dois clíticos se é discutível), tem isto a dizer sobre a haplogia (p. 50, ortografia original, citações e notas de rodapé omitidas, negrito meu):
[V]erifica-se uma certa tendência entre os falantes (do português europeu) para usar verbos intrinsecamente pronominais em construções impessoais do tipo em causa. Nestes casos, verifica-se sistematicamente um fenómeno de haplologia sintáctica, sendo suprimida uma das duas partículas pronominais se. A gramaticalidade das construções resultantes é, no entanto, duvidosa para a generalidade dos falantes:
??Por vezes, esquece-se de que há muitas crianças que passam fome.
Para ilustrar ocorrência do fenómeno de haplologia descrito no parágrafo anterior, recorri ao corpus CETEM Público. Após uma pesquisa limitada aos verbos queixar-se e esquecer-se (de), encontrei apenas o seguinte exemplo de haplologia:
«Reconhece-se importância a quem grita mais alto e esquece-se de que quem grita mais alto é porque não se sente ouvido nem obedecido, ou não tem razão.»
O autor tem mais à frente um explicação alternativa para esta frase — pode tratar-se de uma confusão com uma forma não pronominal de esquecer.