Foi a primeiríssima vez que eu ouvi ou li o verbo invejar ser usado como na canção. E já somos para aí uns três ou quatro portugueses a dizer mesmo, pelo que começamos a ter uma indicação segura que o invejo da canção é uma liberdade artística. Os dicionários parecem corroborar esta ideia. Passo a citar o Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (DACL) em invejar:
(1) Querer para si o que é de outrem; desejar ter o que outra pessoa tem; ter inveja. = cobiçar. Invejava-lhe a inteligência. Todos invejavam o seu à-vontade. Invejo esse teu vestido.
(2) Sentir despeito, desgosto porque alguém tem mais, é melhor ou é mais feliz; ter inveja. Uma amiga que sempre a invejara tentou prejudicá-la.
As definições incluem ter inveja, mas não vale a pena incluir aqui as definições de inveja do DACL, porque não acrescentam nada: as explicações são circulares. Como sugerem os exemplos do DACL, a inveja pode ir do inocente (foste promovido! bestial pá, também quer ia, temos que festejar) ao odioso (foi promovido, o cabrão, filho da puta).
Agora a definição (1), com o seu querer para si o que é de outrem, cobiçar, pode gerar uma certa confusão. Afinal o cantor parece desejar os lábios que são de outrem, o que de acordo com (1) pode parecer ser invejar num sentido literal que nenhum de nós conhecia. A questão é que o significado preciso de querer, desejar, cobiçar depende daquilo que se deseja, quer, etc.
Quando eu digo que quero os lábios dela, não estou a sugerir irmos os dois ao hospital para transplantar os lábios dela para mim (isto seria inveja). Antes quero dizer que quero beijar os lábios. E quase de certeza não só os lábios: também a cara, o pescoço, e o resto todo; quero-a toda, corpo e alma, para mim. Isto não é invejá-la, nem no sentido (1) nem no (2). Logo, a canção está a recorrer à liberdade artística. Agora se ela já tivesse companheiro, aí eu podia muito bem invejar o filho da mãe.