Tenho lido muito no SOpt a escreverem a gente vamos ou a gente fomos em vez de nós vamos e nós fomos.
Ao que parece no Brasil usa-se a gente vai e a gente foi como se gente fosse povo ou pessoas.
É correto, na língua portuguesa, utilizar a gente?
Tenho lido muito no SOpt a escreverem a gente vamos ou a gente fomos em vez de nós vamos e nós fomos.
Ao que parece no Brasil usa-se a gente vai e a gente foi como se gente fosse povo ou pessoas.
É correto, na língua portuguesa, utilizar a gente?
"A gente" é uma locução pronominal, que apesar de se usar no lugar do pronome pessoal "nós", corresponde gramaticalmente à terceira pessoa do singular, e portanto faz com que o verbo seja conjugado de acordo:
Nós vamos / A gente [ela] vai
Nós não queremos só comida / A gente [ela] não quer só comida
O uso dessa forma tem origem metonímica. Troca-se "nós" por "a gente", assim como por exemplo se troca "nós brasileiros" por "o Brasil". É um movimento na direção da impessoalidade, de um afeto coletivo, aberto:
Nós [brasileiros] queremos / O Brasil [o povo, a gente] quer
É uma forma de uso coloquial e portanto é estranho utilizá-la em situações que fogem desse registro da língua:
Nós iremos / A gente irá
Adendo:
O aparecimento da forma "a gente" pode ser o reparo da dificuldade do uso do "nós" como pronome exclusivo (aquele que exclui o ouvinte, ou um referido suposto, do coletivo em questão).
Locução que corresponde semanticamente ao pronome pessoal nós, mas gramaticalmente a uma terceira pessoa do singular (ex.: a gente vai chegar atrasada), e designa o grupo em que se integra quem fala ou escreve. = A MALTA
Em ptBR "a gente" significando "nós" tem uso consagrado e é correto. No entanto a concordância se faz com a terceira pessoa do singular.
Contudo, "a gente" também tem outros significados:
Descobri, ao fim de dois meses, esta discussão extraordinária, e fiquei banzado! É claro a gente vai, a gente faz, etc. no sentido de nós vamos, nós fazemos é correto, pertencendo simplesmente a um registo informal. E é claro que a gente aqui em Portugal também fala assim. Creio que menos que no passado, mas ainda se ouve muito. O objetivo desta resposta é sobretudo dar conta do uso em Portugal, mas como o reconhecimento de um uso no dicionário tem o seu peso, aqui fica o que diz o Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (2001):
a gente, locução pronominal, Familiar, funciona como uma terceira pessoa gramatical do singular e indica o grupo de pessoas em que se integra quem fala ou escreve, sendo equivalente a «nós» semanticamente, mas não gramaticalmente. A gente nem sabe o que fazer. A gente vai hoje ao cinema.
O dicionário Houaiss (Lisboa, 2003) corrobora:
a gente [...] 2 a pessoa que fala em nome de si própria e de outro(s); nós <a gente resolveu mudar-se para o campo> […] GRAMÁTICA/USO a locução pronominal a gente deve usar-se com o verbo na 3.ª pessoa do singular; a sua equivalência semântica ao pronome nós leva por vezes ao uso indevido do verbo na 1.ª pessoa do plural
O Cibrdúvidas também reprova estes a gente vamos, a gente fazemos, etc. Mas a Gramática do Português da Gulbenkian (Lisboa 2013), menos sentenciosa, diz apenas (p. 900):
[...] num registo coloquial menos cuidado, a gente determina frequentemente concordância na 1.ª pessoa do plural (cf. a gente, logo, vamos ao cinema), embora esta variante seja estigmatizada na norma-padrão.
Na minha experiência, no entanto, quando se começa com a gente, o primeiro ou primeiros verbos vão para a terceira pessoa do singular, mas mais à frente, passa-se normalmente para a primeira do plural, como fala Roberta Medina em “No Brasil já perdoaram termos trazido o Rock in Rio para Portugal”, Sol, 2016 (ênfase minha em todas as citações):
Quando a gente chegou a Portugal em 2003, para preparar a edição de 2004, percebemos muito rápido que os 19 anos de história que o RiR tinha no Brasil era algo legal, mas as pessoas queriam era que se construísse uma história nova do RiR, aqui em Portugal.
Quanto ao uso em Portugal, este corpus de falares rurais reúne entrevistas efetuadas em 31 localidades espalhadas por todo o Portugal continental, e registou o uso de a gente em todas elas. Em 18 das 31 a gente é mais frequente que nós juntamente com conjugação na primeira pessoa do plural sem sujeito. (Resultados por localidade estão sintetizados nesta tese de mestrado, p. 75 e seguintes.) As entrevistas foram feitas entre 1974 e 2004, e os entrevistados eram todos idosos com pouca instrução escolar (a metadata está aqui). Portanto na altura, estes entrevistados já não eram representativos do país todo; seriam mais representativos do que Portugal tinha sido uns cinquenta anos antes, quando eles eram jovens adultos e Portugal era um país essencialmente rural.
Isto corresponde à minha experiência pessoal. Quando eu era criança, nos anos setenta, numa zona rural a uns 50 km a norte de Lisboa, a gente era como os meus avós, os meus pais, e a maior parte das pessoas da geração deles, falava. Mas a gente era visto por pessoas mais instruídas como uma forma menos culta, o que corresponde à ideia expressa por alguns comentadores brasileiros aqui nesta pergunta que a gente é mais aceitável na fala que na escrita. Eu lembro-me de, quando empregava a gente junto de algumas pessoas mais instruídas, ser corrigido com um “agente é da polícia.” Também se ouvia a gente vamos, a gente fazemos, etc.
Agora, apesar de ser menos frequente atualmente, ainda se encontra a gente, na literatura, claro, mas mesmo na comunicação social:
[Maria Irene, Porto, à estação de rádio TSF em 21-10-2015] "O meu filho morou aqui, saiu queria que eu fosse com eles, mas estou habituada aqui, gosto muito disto aqui. A vizinhança é boa, a gente tem muita limpeza e se não tem começa logo a mandar vir umas com as outras"
[Fernando Santos, treinador da seleção portuguesa de futebol, à RTP em 14-11-2014] "Nem que seja com um pau, a gente vai ter de ganhar." [E ganharam, 1-0, frente à Arménia, em casa; se era preciso um pau!]
“Vou a tremer toda.” — “Não estejas assim, cachopa, que eles não comem gente.” — “Mas levamos alguma trancada.” — “E a gente dá-lhes outra.”(Alves Redol, Fanga, 1943)
Frequentemente a locução pronominal a gente, como observa o Artefacto num comentário abaixo, refere um grupo indefinido, tipicamente muito alargado, em que o locutor se inclui; é como se dissesse uma pessoa ou uma pessoa típica:
[Ancião de 100 anos ao Correio da Manhã em 11-9-2016] A gente chega a uma idade em que tende a entregar-se à preguiça
Luís Figo, ao jornal Expresso em 11-1-97] "E a gente também vai aprendendo com as coisas más: aprendi muito, quer quanto às relações humanas, quer quanto às profissionais."
Portanto a única diferença transatlântica aqui é que a locução pronominal a gente tem vindo a ser empregue cada vez mais no Brasil (vejam a tese de mestrado citada acima) enquanto que a gente aqui em Portugal a usa menos que no passado.
Brava gente brasileira! (Hino da Independência do Brasil). É impressionante a quantidade de gente que procura corromper a língua! Sou um cidadão comum e desprovido de qualquer especialidade na Língua Portuguesa, mas sempre observei que os que usam "gente" no sentido de nós, não sabem o que estão fazendo, fazendo-o simplesmente por ignorância. Então, acham interessante transformar a ignorância em "costume", pensamento acompanhado por muitos "letrados", que incapazes de corrigir e ensinar, preferem ser simpáticos e adotar o errado como "uso" aceitável. Isso traz muita confusão e dificulta o entendimento. Nós precisamos combater esse tipo de pensamento, senão a gente que amamos permanecerá ignorante e acessível à corrupção.