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O Priberam diz que gibeira é o mesmo que que ‘algibeira’ ou ‘bolso’ e o jiló é uma planta ou o seu fruto. Mas a canção dá a entender que a tal “gibeira” é algo distintivo de um certo modo de vida do caipira, não uma vulgar algibeira qualquer; e jiló parece ser figurado. Falo claro da canção “Romaria” de Renato Teixeira, com letra aqui no letras (vou confessar que foi a primeira vez que ouvi com atenção esta letra absolutamente fabulosa):

É de sonho e de pó
O destino de um só.
Feito eu perdido em meus pensamentos sobre o meu cavalo.
É de laço e de nó, de gibeira, o jiló
Desta vida, cumprida a sol. [Ou “a só”?]

Sou caipira, Pirapora, Nossa Senhora de Aparecida...

O letras diz que é “a sol”, que é o que eu ouço também nesta interpretação da Elis Regina, mas ouço “a só” nesta do Almir Sater, o que confere com a letra no Letras Sertanejas, que por outro lado diz que é “gibeira ou jiló”, que para mim não faz sentido; Na interpretação do Renato Teixeira não tenho a certeza se é “a só” ou “a sol”. Mas “a só” eu compreendo; se for mesmo “a sol”, vou ter que fazer mais outra pergunta: significaria ‘ao sol’ ou ‘de sol a sol’ ou o quê?

Voltando à gibeira (só encontrei no Priberam), é claro que não é um bolso qualquer; deve ser algo que distingue o homem na história, tal como o laço e o nó. Mas o que é? E já agora, o que é o jiló naquele contexto? Jiló é uma planta e também o seu fruto (Priberam). Mas ali parece ter um sentido figurado. Dá a ideia que é metáfora para algo normalmente bom (mas o Priberam diz que é amargo), mas que no caso do nosso homem é simplesmente constituído de laço, nó e gibeira.

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  • Quando comparo a letra de músicas em sites diferentes, por vezes me deparo com diferenças grosseiras e certamente uma das duas está errada. Ouvi as gravações e me parece que a vida é "cumprida a só" em ambas as gravações. Quanto ao "jiló", ele é um fruto muito amargo e "o jiló dessa vida" pode estar sendo usado como uma metáfora para "o amargor dessa vida". São as minhas impressões.
    – Centaurus
    Oct 8, 2018 at 14:32
  • Poderia ser "a só" (sozinho) mas como existem regiões do Brasil onde o sol é escaldante, poderia "a sol" significando "sob o sol".
    – Centaurus
    Oct 8, 2018 at 14:35
  • @Centaurus, "jiló" ser metáfora para 'amargor' faz todo o sentido. Eu tinha pensado algo do tipo "a enxada e a foice foram os brinquedos da minha infância", em que "brinquedos" é usado ironicamente; portanto com "jiló" sendo também irónico; mas "jiló da vida" = "amargor da vida" é muito mais direto e faz sentido. Eu pensei na possibilidade de "a sol" ser "sob o sol"; mas creio que mesmo no Brasil o corrente é "ao sol"? Mas tu ouves a Elis Regina cantar "a só", e eu tenho mais confiança nos teus ouvidos que nos meus nestes casos. Embora outros, presumivelmente brasileiros, ouvissem "a sol".
    – Jacinto
    Oct 8, 2018 at 19:49
  • @Centaurus, onde creio que não há dúvida é que é "E de [...] gibeira o jiló", e não do "É de [...] gibeira ou jiló"? Falta-no então o raio da "gibeira". Voltando ao jiló, cheguei a pensar que as pessoas se pudessem enfeitar com a flor do jiló; então o laço, nó, e gibeira, presumivelmente todos instrumentos de trabalho, seriam o enfeite dele.
    – Jacinto
    Oct 8, 2018 at 19:54
  • Quando falamos em jiló, a maioria das pessoas torce o nariz. Não sei se é um fruto conhecido em Portugal mas, pelas bandas de cá, o jiló tem poucos admiradores. E é amargo.
    – Centaurus
    Oct 8, 2018 at 22:33

5 Answers 5

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É de sonho e de pó,
o destino de um só.
Feito eu perdido em pensamentos
Sobre o meu cavalo.
É de laço e de nó, de gibeira, o jiló
dessa vida cumprida a sól. -------------------Renato Teixeira.

Sendo o jiló um fruto amargo e que não agrada à maioria das pessoas, "o jiló dessa vida" é a metáfora para "o sofrimento, o amargor". E, trabalhando no campo, de sol a sol, a vida desse camponês a isso se resume: laços, nós, gibeira/bolso (onde possivelmente se estabeleceu o jiló) O que encontrei na literatura a respeito foi o seguinte:

  • o sujeito está perdido, sem rumo, e, embora consiga fazer algumas ações, elas não o conduzem a nada proveitoso e se encontram como que automatizadas: embora cavalgue, dê laços e nós, guarde algo na gibeira, o "eu?' permanece "perdido em pensamentos", tendo como destino apenas o sofrimento (o "jiló dessa vida") e o nada ("é de pó").1

  • "Às vezes somos laçados pelo destino a viver toda uma vida num só lugar, como atado por um nó."2

  • "Renato Teixeira fala da luta cansativa do viver camponês, uma carga da pesada e deveras amarga, como o fruto do jiloeiro.2"

  • "Passando para a segunda estrofe, o sujeito conta sua história pregressa. Seu "pai foi peão", portanto, além de figura ausente na família, também um que cumpriu a vida a Sol."1

  • "A "mãe, solidão". A poesia desse verso, em que nem o verbo "ser" está presente (o "foi" encontra-se elipsado) traz toda a fragilidade e tristeza em que viveu essa mãe. Enquanto o pai é caracterizado por sua atividade profissional, a mãe é um sentimento. Sozinha pela ausência do marido, criando os filhos, certamente também cumprindo a vida a Sol."1

    1. https://bollog.wordpress.com/2013/03/15/elis-regina/
    2. https://www.revistas.usp.br/significacao/article/download/65649/68264
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  • Sim, creio que quanto ao jiló e ao "a sol" (no blog sobre a Elis está "a só"! lol) estamos decididos. Eu ainda gostava de ver essa "gibeira". Li também o artigo da USP, mas a autora dá o significado literal de "gibeira", como de tudo o resto, como sabido. No outro site dizem que é um bolso, mas bolsos tenho eu quatro só nas minhas calças! Deve ser uma bolsa ou sacola exterior que os dicionários dizem que "algibeira" pode ser.
    – Jacinto
    Oct 15, 2018 at 18:20
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Penso que encontrei o sentido real da letra da música, pelo menos no que se refere à sua primeira estrofe.

É de sonho e de pó o destino de um só, / Feito eu — perdido em pensamentos sobre o meu cavalo —; / É de laço e de nó de gibeira o jiló / Dessa vida — cumprida a sol.

Se fôssemos colocar em sintaxe regular, poderíamos escrever da seguinte forma: O destino de um só é feito de sonho e de pó, feito o meu destino, pois estou perdido em pensamentos (sonhos) e estou sobre o meu cavalo. O jiló dessa vida (que é cumprida, realizada, a sol — quer dizer, o modo de realizá-la é "sol", ou trabalhando muito ao sol) é ligado a ela (à vida) de laço e de nó de gibeira.

A mim é muito claro que ele está não elencando coisas: laço, nó, gibeira, jiló, e sim construindo uma frase do mesmo tipo da primeira, em que como que se define algo. A amargura dessa vida como que lhe é constitucional, ela é de laço e de nó de gibeira. Não me parece certo de forma alguma separar "nó" de "de gibeira", pois a entonação que Renato Teixeira dá a essa parte leva-nos a entender que ele está falando de um nó específico: o nó de gibeira. A amargura está muito bem amarrada a essa vida.

A minha interpretação da música está de acordo com os trechos do trabalho da USP aqui publicados, com a entonação específica que o cantor dá a ela e enfim à história contada. Trata-se de um caipira que percebe que no final das contas está sozinho e que sente uma amargura nessa vida solitária. Ele então recorre a uma peregrinação até a cidade de Aparecida, para a romaria. Embora não saiba rezar, oferece à Nossa Senhora um olhar sincero, sinceríssimo, pois vem de um homem que se reconhece simples (portanto não tem nada a afetar) e que sente uma solidão amarga; vem, enfim, de um homem com o coração nas mãos.

2
  • Josué, obrigado pela tua contribuição. Concordo com a interpretação de "alto nível": o caipira teve um vida solitária, dura e amarga. A minha pergunta é sobre a interpretação de "baixo nível": o que é exatamente a "gibeira"? Se é simplesmente uma algibeira, bolso normais, eu neste momento tenho duas nos meus calções, e porque aqui é verão; no inverno, entre calças, casaco e camisa, chego a ter dez. A gibeira do caipira deve ser especial, diferente do bolso dos meu calções, não? Eu sempre ouvi "é de laço e de nó, de gibeira, o giló" ou seja, "o giló é de laço, de nó e de gibeira" >>
    – Jacinto
    Jun 8, 2019 at 8:09
  • >> mas a tua interpretação--"o giló é de laço e de nó de gibeira"--parece-me interessante. E que seria então o nó da gibeira? Aí é que a gibeira tem mesmo de ser diferente de uma algibeira normal; as minhas algibeiras não têm nó nenhum. (Aqui em Portugal, "algibeira" tem caído em desuso. Mas o meu pai, homem do campo, falava da preferencialmente de "algibeira das calças" e não "bolso das calças".)
    – Jacinto
    Jun 8, 2019 at 8:15
1

Esclarecendo alguns pontos:

Em primeiro lugar, a letra da música compara o que o peão, um sertanejo, carrega com a vida em si.

Porque peão "sertanejo"? Aí entra a "gibeira". Gibeira é o mesmo que algibeira, ou bolso, o do paletó. Os peões sertanejos usam um casaco, similar a um paletó, feito de couro duro, o gibão, que serve como escudo contra os espinhos da vegetação característica do sertão.

"É de sonho e de pó, o destino de um só". Não é "o destino de apenas um", e sim, o destino de um solitário.

Todos estamos intimamente sós, e o peão tem isso em conta.

O "sonho" é a perspectiva de uma vida diferente. "Pó" pode ser o dos caminhos da terra ou a matéria em que resultam os sonhos, os dois, talvez. Podem, ainda, haver outras interpretações, mas não me parece importante escolher qualquer uma.

"É de laço e de nó"

O laço e o nó servem, aqui, tanto como ferramentas distintivas da profissão de peão, como alude à condição de estar atado à essa vida.

"De gibeira, o jiló"

É a frase correta, já que é a única que faz sentido. De gibeira, viaja o jiló.

Jiló, claro, como já disseram, é um fruto amargo, muito apreciado no nordeste brasileiro, uma alusão ao amargor da vida do peão, o sofrimento.

"Dessa vida cumprida a sol". Não é "a só".

O peão sertanejo não vive, num sentido lato. Ele cumpre a vida à qual está atado, sem outras perspectivas tangíveis, como se viver fosse uma tarefa, e uma da qual não pode escapar.

O peão, então, cumpre a vida trabalhando a descoberto, sob o sol. O sertão é semi-desértico, e quase nunca vê chuva.

Espero ter ajudado, tanto quanto agradeço a oportunidade!

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Quando garôto, ouvi e ví diversas vêzes em Minas, cavaleiros comuns sem o gibão sôbre cavalos ou mulas, burros, referirem-se à gibeira, mas não ví nenhum paletó de couro, mas tipos de bolsões.Observei que para prender certos utensílhos , davam muitos laços e nós, curioso é que após ouvir a música, notei que onde o peão firma o pé, o estribo tem a forma de giló e alguns dêles os vi com um giló à boca. Mas eu particularmente interpreto "a só", já que êle descasou e se fizesse referência ao astro, seria "ao sol" na cavalgada pelas estradas,os ví sempre solitários, e na parte que diz cumprida, precisa certificar se é comprida (referindo-se à extensão longa dessa vida),ou cumprida, igual missão amarga.Tanto de um como de outro modo é aceitável e belo.Sim, solitário êle é: sem pai, sem mãe, sem os irmãos e descasado, solitário e mudo até em sua oração. Dizendo estas palavras, posso talvez até ter contrariado o autor, mas vivemos em um mundo poético.

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  • Olá Joaquim, sugiro que tente editar a sua essa resposta de modo a ser mais objetivo e responder mais diretamente àquilo que foi perguntado
    – Rye
    Jun 28, 2023 at 11:26
  • As it’s currently written, your answer is unclear. Please edit to add additional details that will help others understand how this addresses the question asked. You can find more information on how to write good answers in the help center.
    – Community Bot
    Jun 28, 2023 at 11:26
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É muito simples a interpretação deste verso: “de gibeira o jiló” significa que ele carrega o amargor, o sofrimento com ele.

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  • 2
    Bem-vinda ao Portuguese Language! Poder dar mais detalhes e/ou adicionar alguma fonte que confirme o que disse?
    – Jorge B.
    Oct 18, 2023 at 7:46

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