Em (b), (c) e (d), ir é pleno. (a) é um tipo de frase estruturalmente ambíguo, mas neste caso parece-me que ir é também pleno.
A Gramática do Português tem uma caixa (páginas 1264-1266) que endereça precisamente este assunto. Passo a transcrever as partes mais relevantes:
(i) a. A Maria foi comprar o jornal.
[...]
(ii) a. A Maria foi comprar o jornal à tabacaria.
[...]
[A] expressão direcional é necessariamente legitimada pelo verbo ir (cf. a Maria foi à tabacaria, [...]), e não pelo segundo verbo (cf. a impossibilidade de *a Maria comprou o jornal à tabacaria, [...]). Por outras palavras, em (ii) a expressão direcional é um complemento do verbo ir, o que, dada a propriedade (A) dos verbos auxiliares [«os verbos auxiliares não selecionam argumentos»], indica que este verbo é aí pleno, não auxiliar. O conteúdo destes exemplos pode, aliás, ser expresso por frases em que fica claro, por um lado, o estatuto de ir como verbo pleno e, por outro, o estatuto do predicado com o verbo infinitivo como um adjunto adverbial de finalidade:
(iii) a. A Maria foi à tabacaria [(para) comprar o jornal].
[...]
Face a estes factos, é possível analisar igualmente os exemplos de (i) como envolvendo o verbo pleno ir, sem um complemento direcional explícito. Nestas frases, o predicado que segue o verbo ir é equivalente semanticamente à expressão de finalidade entre parênteses retos dos exemplos de (iii), Esse predicado, aliás, pode mesmo, em certos casos, ser reinterpretado como um complemento direcional. Assim, é perfeitamente adequado responder a uma pergunta como aonde é que foi a Maria? [...] unicamente com a expressão comprar o jornal [...].
De seguida passa-se a analisar uma outra propriedade dos verbos auxiliares: «Uma frase ativa transitiva contendo uma perífrase verbal tem o mesmo significado básico da sua contraparte passiva». Esta regra é violada tanto pelo exemplo (i) como (ii) (*o jornal foi ser comprado (à tabacaria) pela Maria), o que sugere ir ser pleno em ambos os casos. De seguida, a análise volta-se para o presente:
(iv) a. A Maria vai comprar o jornal (à tabacaria).
[...]
[...]
Sem o complemento direcional, no entanto, os exemplos (iva,b), com o verbo ir no presente do indicativo, contrariamente a (ia,b), com o verbo no pretérito perfeito, admitem passivização, preservando a sinonímia do par ativo-passivo. Este facto indica que, neste caso, o verbo ir é auxiliar: cf. o jornal vai ser comprado pela Maria com *o jornal foi ser comprado pela Maria). É plausível supor, então, que nos exemplos de (iv) sem o complemento direcional e com o verbo no presente do indicativo ir tanto pode ser verbo auxiliar como verbo pleno. Esta ambiguidade surge sempre que o sujeito da frase é uma entidade capaz de locomoção autónoma e o seu envolvimento na situação descrita pelo predicado com o o verbo no infinitivo [...] é compatível com a sua locomoção para um lugar diferente daquele onde se encontra inicialmente.
Esta análise parece sugerir que (a) é ambígua. Mas podemos argumentar que a frase (a) não admite passivização: uma maçã vai ser buscada parece muito estranha e portanto (a) seria sempre um uso pleno. Não tenho a certeza de que isto não seja apenas uma idiossincrasia da evolução do verbo buscar, que se especializou de tal forma que a frase passiva parece estranha. Mas buscar significa geralmente procurar; só quando se associa ao verbo ir passa a significar ir a algum e sítio e trazer. Trazer não é o mesmo que procurar, mas isto parece sugerir que de facto ir é usado com o seu sentido de locomoção.