A palavra bate-papo é frequentemente utilizada no Brasil como referência a uma conversa informal. É muito vista também em sites que oferecem chat online.
Quando e onde tal expressão surgiu?
A palavra bate-papo é frequentemente utilizada no Brasil como referência a uma conversa informal. É muito vista também em sites que oferecem chat online.
Quando e onde tal expressão surgiu?
Por incrível que pareça, o papo do bate papo tem origem em papar (comer, Houaiss e ver Aulete digital), que já vem do latim pappare. De papar veio papo (Aulete) com o sentido de papo de ave, estômago, barriga e, o sentido que aqui mais nos interessa, garganta. A certa altura passou também a significar ‘fanfarronice, bazófia, bravata’, significado que garganta também tem (ver garganta no Aulete). Por fim veio a significar simplesmente ‘conversa’.
Papo aparece traduzido para latim como guttur (garganta, Wikitionary) neste dicionário de 1562 de Jerónimo Cardoso (p. 83 do orginal, p. 165 do pdf). Papo aparece com este significado já em 1437 no Leal Conselheiro do Rei D. Duarte (p. 301, ou 347 do pdf):
Item se deuem de guardar cantar de lyngua, nẽ de desuairamento de boca , mas soomente cantem de papo cada huũ melhor q poder.
Em 1720 Raphael Bluteau regista no seu Vocabulario Portuguez e Latino a expressão falar de papo:
Fallar de papo, se diz de quem falla com certo geyto na garganta , que denota presumpçaõ , e arrogancia.
Mas já em 1651 se encontra o adágio de António Delicado, «moço de quinze annos tem papo & nam tem mãos» (Corpus do Português), que eu interpreto como ‘moço de quinze anos só tem garganta, prosápia’. Estas expressões aparecem ainda no século XIX. Mas saltando para o século XX encontramos em 1946 a expressão contar papo, ou melhor, contá papo, e papudo na Revista do Arquivo Municipal (São Paulo) vol. 109-112:
Papo — “conta papo”: contar bravatas ou valentias; “papo de cordão”: enorme bocio ou papo pendurado sobre o peito.
Papudo — aquele que “conta papo” ou bravatas; também se diz garganta, prosa, jactancioso.
É precisamente nesta década que o Google Books encontra os primeiros exemplos de bate papo. A primeira ocorrência é no Anuário Brasileiro de Literatura de 1940, mas o Google não mostra o texto. A ocorrência seguinte é de 1942 na Revista do Instituto do Ceará:
No meu primeiro bate-papo, deixei dito que Capistrano de Abreu era de trato pouco ameno. Se era? !
O primeiro exemplo de bater papo encontrei-o em O Galo de Ouro de Rachel de Queiroz, 1950:
A menina era mansa, quase não dava trabalho à mãe, que por isso mesmo perdia horas com ela no braço, batendo papo pelos quartos das vizinhas.
Pelos vistos por esta altura papo já não significava necessariamente fanfarronice, mas Antenor Nascentes em A Gíria Brasileira (1953) ainda define bate-papo como «conversa banal, tagarelice».
Parece-me portanto que apareceram primeiro as expressões contar papo, bate papo, e só mais tarde papo começou a ser usado isoladamente com o significado de ‘conversa’. O primeiro exemplo que encontrei é de 1973 na revista Placar (nº 187, p. 14-15), «Iustrich ataca: Roberto está jogando com muito medo»:
Em São Paulo, Roberto continuou dizendo que Iustrich o está perseguindo […]
― Não quero papo com ele. A situação continua a mesma. Ele lá e eu cá. […] Aceito a ideia de mudar de time, de ser vendido ou emprestado para outro grande time. Com ele não tem mais papo.
Finalmente em relação ao bate, bater é um verbo muito polivalente. Aqui temos uma lista de expressões publicadas no mesmo número da Revista do Arquivo Municipal (São Paulo) vol. 109-112, 1946:
Batê — “batê um chuvão”: chover muito; “batê as asas”: desaparecer; “batê uma pratada”: comer; “batê as bota”: morrer; “batê a carteira”: roubar; “batê boca”: discutir; “batê papo”: conversar.
A expressão semelhante bater boca (Aulete), como o sentido de discutir, altercar, encontra-se mais cedo, logo a partir de 1892: «Mas os senhores do Poço da Moita não batiam boca em suas terras» (Dona Guidinha do Poço de Manoel de Oliveira Paiva)..