Precisamos de distinguir os dois tipos de significados de sempre. Há os significados temporais:
Continuamente: Tenho sempre fruta em casa;
Regularmente: Ele levanta-se sempre às 7 da manhã;
Em todas as ocasiões: Ele recusava-se sempre a discutir o assunto;
Repetidamente: Ele está sempre a interromper-me.
Mas depois há os significados alternativos, que são muito comuns em Portugal; no Brasil são igualmente comuns na literatura do século XIX, mas parecem ter rareado no XX. Nestes sentidos, sempre vem sempre antes do verbo:
Apesar de dúvidas; contra as expetativas; confirma-se que; afinal:
● Ele disse que não vinha ao jantar, mas sempre veio.
● Disseste que talvez viesses connosco à praia; sempre vens?
Realmente: sempre és muito guloso!
Apesar de tudo o resto; pelo menos; afinal:
● Aceitei o estágio não remunerado; sempre ganho alguma experiência.
● Fui com eles à praia; sempre foi melhor que ficar sozinho em casa.
Sempre querer ver, que não encontrei em dicionário nenhum. Tipicamente irónico, exprimindo ceticismo, pessimismo:
● Sempre quero ver onde é que vais comprar uma gravata a uma hora destas.
● Ele disse que fazia o jantar; sempre quero ver o que é que dali sai.
No sentido temporal, é verdade que frases do tipo «ele sempre se recusava a discutir o assunto» soam estranhas a ouvidos portugueses, mas parecem ser comuns no Brasil. Há no entanto certo tipo de construções em que o sempre temporal vem, mesmo em Portugal, sem problemas antes do verbo, nomeadamente quando sempre vem adverbiado por nem ou quase, ou em orações iniciados por pronomes relativos, como, porque, etc.:
Ele nem sempre se recusava a discutir o assunto
Ele quase sempre se recusava a discutir o assunto.
Como ele sempre se recusava a discutir o assunto, nós nem sequer tentávamos.
Não tocávamos no assunto, porque ele sempre se recusava a discuti-lo.
Era esse o assunto que ele sempre se recusava a discutir.
Era esse o assunto cujos pormenores ele sempre recusava discutir.
Não era a Joana, mas sim ele quem sempre se recusava a discutir o assunto.
Exceto no primeiro exemplo, pospor o sempre não alteraria o significado. Já o primeiro exemplo me parece diferente de «ele nem se recusava sempre a discutir os assunto».
Andei a ver neste Corpus do Português o padrão do uso de sempre. No presente e pretérito imperfeito do indicativo no Brasil do século XIX e em Portugal até hoje, o sempre é anteposto ao verbo praticamente só neste tipo construções ou quando tem um dos significados alternativos. Já no Brasil do século XX aparece anteposto aparentemente em todo o tipo de construções com sentido temporal, ao passo que os significados alternativos praticamente desapareceram. No pretérito perfeito, quer no Brasil quer em Portugal, o sempre temporal já é liberalmente usado antes do verbo, e os significados alternativos raramente aparecem. Esta raridade dos significados alternativos no pretérito perfeito em Portugal é curiosa: creio que os meus dois exemplos acima com sempre + pretérito perfeito são perfeitamente típicos em Portugal.
É verdade, como se pode ver na tabela abaixo) que há no Brasil relativamente a Portugal uma maior tendência a antepor o sempre ao verbo (o rácio (sempre + verbo)/(verbo + sempre) é sempre maior no Brasil). Predomina no entanto, nos dois países, o sempre posposto no presente e pretérito imperfeito do indicativo; enquanto no pretérito perfeito predomina o sempre anteposto.
Presente Imperfeito Perfeito
Portugal Brasil Portugal Brasil Portugal Brasil
(1) Sempre + verbo 473 600 302 305 699 963
(2) Verbo + sempre 1317 1018 680 401 458 164
(1)/(2) 0,36 0,59 0,44 0,76 1,5 5,9
Ocorrências nos 100 primeiros verbos no Corpus do Português.
Resta dizer que dizer que «ele sempre se recusava a falar do assunto» é impossível no português europeu é uma força de expressão. A frase soa-me estranha, mas conseguem-se encontrar em Portugal frases do mesmo tipo (isto é, que me parecem igualmente um pouco estranhas; ênfase minha):
Corina […] tinha contínuas entrevistas com damas responsáveis que a requisitavam para os saraus de beneficência, revistinhas cantaroladas com guarda-roupa de papel e quadros-vivos ― o sonho de Jacob, a bela adormecida no bosque ― e em que Corina sempre era a princesa de gola à Médicis sorrindo sobre um leito de tapete de mesa de jantar. (Agustina Bessa Luís, Os Incuráveis, 1982.)
Assim (..) dum' auganal', como a gente cá chama. Aquilo é por baixo; e a gente sempre tinha um espiche lá (..) no fundo daquele pote, quando ia subindo (..).. Tinha água..(Corpus de dialetos portugueses CordialSIN PVC12)