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Tendo como tema o predicativo do objeto, deparei-me com o seguinte exemplo:

Uns a nomeiam primavera. Eu lhe chamo estado de espírito. (C. D. DE ANDRADE)

Na 1ª oração, o substantivo primavera é o predicativo do objeto direto a; na 2ª, estado de espírito é predicativo do objeto indireto lhe.

Fonte: Cunha, Celso. Gramática essencial (Referência essencial) . LEXIKON EDITORA DIGITAL LTDA.. Edição do Kindle. (Pode se visto aqui.)

Do site Brasil Escola:

O pronome oblíquo “lhe” é substituto dos objetos indiretos, ou seja, dos complementos que possuem preposição.

Do Caldas Aulete, duas definições:

(no.me.ar)

v.

  1. Dar nome a; citar o nome de [td. : Só nomeou a peça depois de escrita.]

(cha.mar)

v.

(...) 11. Dar ou atribuir nome, apelido etc. a [tdp. : Os pais a chamaram Ana em homenagem a avó.]

A abreviatura "tdp." é usada pelo dicionário para indicar ocorrência de verbo transitivo direto e predicativo.

A minha questão inicial com o exemplo da gramática era o uso do pronome "lhe" (Por que não seria "Eu a chamo estado de espírito"?). E das definições encontradas do verbo chamar, essa foi a que me pareceu ser a mais próxima do sentido original. Se for mesmo esse o sentido empregado, o que essa transitividade significa? Ou seja, o que é um verbo transitivo direto predicativo?

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  • 1
    Interessante. Possivelmente há várias regências. Aqui em Portugal, nós diríamos como o C. D. Andrade: "Eu lhe chamo estado de espírito".
    – Jacinto
    Apr 16, 2020 at 19:18
  • Sem dúvida. Só me pergunto por que é "lhe" na segunda oração.
    – mjfneto
    Apr 16, 2020 at 21:37
  • 1
    Porquê, não sei. Claramente Drumond usa chamar como transitivo indireto, como a própria gramática diz. Essa é a regência comum em Portugal de chamar nesse contexto. No Brasil o que eu esperaria era "eu a chamo de estado de espírito" (aceção 12 do Aulete, que me parece mais apropriada que a 11). O Drumond pode ter-se inspirado num escritor português, ou talvez brasileiro antigo. Poetas!
    – Jacinto
    Apr 17, 2020 at 7:11
  • Excelente questão!! Agora eu também fiquei curioso, não lembro de ter aprendido a esse respeito
    – artu-hnrq
    Apr 18, 2020 at 3:16
  • 1
    mjfneto, vê se gosta da minha edição do teu título; se não gostares é só clicares em "edit" e fazer "rollback" ou mudares à tua vontade. Eu achei útil referir "chamar" no título porque é o ponto central da questão. Permite outras pessoas com a mesma dúvida encontrar facilmente a pergunta (chamar é o único verbo que admite predicativo do objeto indireto). Outra coisa. Notei que aceitaste a minha resposta mas não lhe deste voto positivo. Naturalmente estás no teu direito. Mas há algum ponto que eu possa esclarecer melhor?
    – Jacinto
    Apr 23, 2020 at 7:16

2 Answers 2

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Na aceção relevante, o verbo chamar admite uma carrada de regências: chama-a jeitosa, chama-a de jeitosa, chama-lhe jeitosa, chama-lhe de jeitosa. Cito a Nova Gramática do Português Contemporâneo de Celso Cunha e Lindley Cintra (Lisboa, 2014, p. 647-9; nas fontes dos exemplos omito a obra e página):

3º [Chamar, n]o sentido de «qualificar», «apelidar», «dar nome», constrói-se:

a) com OBJETO DIRETO + PREDICATIVO:

O povo chamava-o maluco. (José Lins do Rego.)

[…]

b) com OBJETO DIRETO + PREDICATIVO (precedido da preposição de):

chamaram-no de mentiroso, de ingrato e de vítima. (Carlos Drumond de Andrade.)

c) com OBJETO INDIRETO + PREDICATIVO:

Chama-lhe amizade, se preferires. (Fernando Namora)

d) com OBJETO INDIRETO + PREDICATIVO (precedido da preposição de):

Chamava-lhe sempre de miúdo. (Luandino Vieira.)

A construção com objeto indireto (sem de) é de longe a mais comum em Portugal. De facto, não a encontro no dicionários brasileiros, mas encontra-se em autores brasileiros. Alguns exemplos (negrito meu):

O pessoal da imprensa chamava-lhe “Chicharro”, porque diziam que ele estava morto e não sabia; Érico Veríssimo, O Resto é Silêncio

Nada mais curioso, por exemplo, do que a definição que ele dava da fraude. Chamava-lhe o braço esquerdo do homem; Machado de Assis, A Igreja do Diabo

Fora disso, o mancebo praiano achava Cajazeiras de uma insipidez horrível, como ele mesmo dizia, carregando muito no ível. Chamava-lhe a Terra do Silêncio.
Manoel de Oliveira Paiva, Dona Guidinha do Poço

O primeiro teimou, o segundo não cedeu, até que um deles chamou ao outro pedaço d’asno
Machado de Assis, Bons Dias

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  • Chamo e essa de uma excelente resposta!
    – artu-hnrq
    Apr 19, 2020 at 12:38
  • 1
    @artu-hnrq, obrigado. Quando se encontra uma gramática que nos faz a papinha toda, é mais facil.
    – Jacinto
    Apr 19, 2020 at 17:32
1

A regência do verbo chamar é mais complexa do que se pensa, não havendo também unanimidade entre todos os gramáticos. O verbo chamar apresenta uma pluralidade de significados, podendo atuar como verbo transitivo direto, transitivo indireto, transitivo direto e indireto, intransitivo e pronominal.

Este vídeo explica os dois casos https://www.youtube.com/watch?v=C69DS85xdNI

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  • Isso não exatamente responde a questão, mas interessante saber! O vídeo não trata a transitividade pronomial.. essa que eu gostaria de conhecer
    – artu-hnrq
    Apr 18, 2020 at 18:10

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